Após a crise econômica mundial, encaramos a possibilidade de outra recessão - a das ondas
No meio do breu, quase às 11 da noite da véspera do dia 11/11, um pensamento martelava a cabeça: onde estão nossas ondas? Cadê os fins de semana recheados de surf de ponta a ponta? E os swells de três, quatro dias? Um fantasma nos ronda, e o verão nem chegou ainda.
Estamos envoltos por uma espécie de sinistra blindagem que impede a formação de pistas mais consistentes, repelindo os ciclones que poderiam nos encher de alegria. Na verdade eles até têm se formado, mas longe demais para produzir ondulações em nossa direção. Segue a tendência de enfraquecimento e/ou desvio dos swells, o que nos obriga a ficarmos atentos aos breves momentos em que as condições melhoram um pouco.
Já faz quase um mês que presenciamos um dia com 1,5m de onda (swell n.3), e se pararmos para pensar, poucos se lembram da última vez em que tivemos surf de responsa, com dois metros ou mais (swell n.2, dia 1º de Outubro). A “maldição” do El Niño em águas do Atlântico sul segue nos assombrando e por enquanto não há sinais de que a tradicional bombástica ondulação de novembro deva nos agraciar neste ano. As “lestadas” (ao menos 3 dias seguidos de vento leste) também não têm ocorrido como de habitual para esta época, sendo que na verdade tivemos dias de “noroestada”, que ajudam a explicar os altos volumes de chuva que andamos registrando.
Para piorar, completaremos quatro finais de semana seguidos dessincronizados de swells, restando a nós o predomínio do famoso meio metrinho na folga sagrada da semana. Onde estão nossas ondulações de primavera? Difícil essa pergunta, mas a confirmação das prematuras ondulações de norte (a chamada “early season” lá de cima) tanto no Atlântico (a Europa, o Marrocos e algumas ilhas como Cabo Verde e Madeira tem sido a bola da vez) quanto no Pacífico (Hawaii e costa oeste americana, por exemplo), bem como a escassez de ondas na costa oeste da América do Sul (até o Peru e Chile estão com a sua produção de swells afetadas), são fortes indícios de que a porção sul do planeta pode ver as ondas rarearem antes da hora neste ano.
O foco principal desta nova tendência parece ser justamente a América do Sul, de ambos os lados. Ou seja, se a costa do Pacífico está fraca, o que dizer do Atlântico, nosso querido playground salgado? Tudo indica que é aqui que a porca vai torcer o rabo de fato e assim deve seguir por alguns meses. A costa oeste da América do Sul pode voltar a receber swells de porte, mas ainda não há fatos conclusivos sobre a tendência do surf nesta região, que inclui o destino internacional de surf preferido dos brasileiros, o Peru. A exceção deste enfraquecimento das ondulações na metade sul do globo fica por conta do Índico e extremo sudoeste do Pacífico, que ainda presenciam ondulações consistentes em países como Austrália, Nova Zelândia e dezenas de arquipélagos paradisíacos da região – na próxima semana deveremos ter uma bela bomba por ali.
Como sempre, estamos monitorando atentamente as movimentações globais e dedicamos especial atenção à tão comentada ondulação de grande porte, tradicional de novembro, justamente por se tratar de um marco. Teoricamente, a janela em que ela tem ocorrido nos anos anteriores está chegando ao fim, mas ainda há esperança de que ela simplesmente atrase um pouco. Para efeito de comparação, nesta mesma data do ano passado, já havíamos contabilizado oito swells na primavera passada, e estávamos prestes a receber o nono, a grande bomba. Até agora, tivemos apenas quatro, sendo apenas os dois primeiros grandes de verdade.
Definir com precisão o motivo exato do padrão climático e “surfístico” deste ano não é simples, mas ao nosso ver, o vilão é realmente o fenômeno que aquece as águas tropicais do Pacífico, o famoso El Niño. O lance é que ele ocorre em paralelo com a intensificação do aquecimento global, e fica complicado definir até que ponto cada um destes fatores influencia tais mudanças - lembrando que o primeiro é pontual (ocorre de tempos em tempos) e o segundo é um tendência de longo prazo, e até onde se sabe, irreversível. O objeto principal de nossos estudos e análises, as ondas, são apenas um, e quem sabe o mais agradável, dos efeitos colaterais deste processo. Os negativos vão de super tufões (Filipinas, Japão e China, entre outros países afetados), super furacões como Rick (México) ou o Ida, que mesmo ocorrendo no Atlântico causou destruição em El Salvador, que é banhado pelo Pacífico) e também na Nicarágua. Nevascas antecipadas nos EUA, ondas de calor mundo afora, incêndios devastadores na Austrália e Califórnia e assim por diante. Aqui no Brasil, em especial no estado de São Paulo, as maiores ameaças ficam por conta de volumes extremos de chuva, vendavais e, para nós surfistas, o risco de ausência de ondas, o desolador flat. Não seria nenhum absurdo incluir o apagão desta semana na lista de efeitos dessas mudanças climáticas, sendo esta a direção inicial das explicações para as horas de escuridão que dominaram grande parte do país.
O monitoramento dos oceanos tem sempre uma espécie de escala hierárquica de prioridade. E quem se importa com o Atlântico Sul? Nós, lógico! Dada o fato das maiores potências mundiais estarem localizadas no hemisfério norte, a ausência de furacões (exceto pelo Catarina) e tsunamis, bem como o reduzidíssimo número de picos de surf de expressão mundial, há poucos interesse e dados para estudo de tais impactos no surf por aqui. Faltam registros, estudos e equipamentos de ponta para monitorar não apenas ondulações, mas o clima como um todo. O projeto Liquid Dreams segue em busca de respostas e constatações que nos ajudem a entender não apenas como vai estar o surf e o tempo nos próximos dias, mas indicando as tendências de médio e longo prazo que não se encontram em nenhuma fonte.
Infelizmente, após uma das piores crises econômicas das últimas décadas, encaramos agora o risco real de mais uma recessão – a das ondas. Começamos a reunir um punhado de indícios, e caso esse cenário se confirme de fato, as perspectivas são de um padrão de ondas abaixo da média para o restante da primavera, o verão inteiro e possivelmente o outono também. Mas nem tudo está perdido, pois a intensificação dos swells norte beneficia alguns picos das regiões norte e nordeste – em especial Fernando de Noronha, que já começou a funcionar e deve seguir recebendo boas ondas no início da próxima semana, por volta do dia 18 de novembro.
Para aqueles que taxam a LD como extremamente otimista, esse é um choque de realidade. Afirmamos que a teoria diz inclusive que o outono do ano que vem não deve repetir a majestosa edição deste ano, por diversos fatores, entre eles a possível extensão dos efeitos do El Niño e a ausência do fenômeno oposto, o La Niña, que estava em vigor até o início de 2009. De qualquer forma, teremos um grande teste, e a renovação das esperanças com as lembranças da estação de 2009.
Para fechar, é bom deixar claro que isso tudo é tendência, indicações do que deve ocorrer num prazo mais dilatado. Por outro lado, previsão é o prognóstico de curto prazo, e ainda que os fatos não demonstrem que isso seja provável, queremos ser os primeiros a anunciar a formação de manchas roxas e vermelhas sequenciais invadindo os mapas de ondulação e exorcizando de vez o medo do flat. Seja lá como for, compartilharemos pontos de vista sobre o assunto, e aqui você fica sabendo sempre antes como nossos picos devem se comportar. Que a força esteja conosco.
* José Luiz Romeo é editor do site Liquid Dreams
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