Off-line. E agora?

por Sato do Brasil
Trip #232

Um diretor de arte viciado em redes sociais e o desafio de ficar 5 dias sem acessar nada

Um diretor de arte viciado em redes sociais + o desafio de ficar cinco dias sem acessar Facebook, Instagram ou Twitter. Aqui, O resultado dessa experiência

Quando a Trip me propôs fazer um “detox digital”, quase entrei em pânico. Conseguiria controlar o vício de ser um instagramer adicto? Eu, que posto de dez a 20 fotos por dia, escolhendo cuidadosamente hashtags, temas e intenções? No Facebook, o problema seria um pouco menor. Apesar de postar diariamente algo que acho interessante, o vício é mais controlado. Quanto ao Twitter, é um entorpecente que não serve para mim. Para mim, que não bebo álcool, o Twitter é o equivalente a um shot de Jack Daniels. Apesar da apreensão, achei boa a ideia de ficar cinco dias sem acessar as redes sociais (era permitido checar e-mails, para o caso de receber alguma mensagem importante). Os dias off-line serviriam como um teste pra saber o quanto do meu corpinho já estaria vendido pro Mark Zuckerberg. Sou de uma geração que não nasceu com um celular grudado no cordão umbilical: só me liguei a ICQ, MSN e essas paradas todas depois de velho. Por isso, imaginei que estaria livre de viver uma crise aguda de abstinência. Ou não…

Na #casadalapa, coletivo de artistas, músicos e cineastas do qual faço parte em São Paulo, foram logo me dizendo: “Afe!”, “Duvi-d-o-dó que você vá aguentar!”, “Vixe! Lá vem flood giga semana que vem pra compensar a seca!”. Tem também aqueles amigos que ficam te empurrando pro vício: “Vai, Sato, vê aqui no meu celular. Tem uma mina que te tagueou! Mó gata!”. E as inevitáveis cobranças: “Por que você não foi à minha festa? Tava no Face! Me ama porra nenhuma”. É, rapeize, o amor é a quantidade de likes que você pode dar em cada post da amada.

Hoje em dia, ninguém mais percebe direito que você cortou o cabelo, pintou as unhas com as cores de

Camarões ou tirou o bigode pela primeira vez. Mas todo mundo, quando te encontra, quer saber quem é o tal relacionamento enrolado que aparece no status do Facebook. Essa “proximidade” gerada no mundo virtual tem suas armadilhas; não é fácil se desvencilhar delas. Um grande amigo que trabalha com cinema dá um exemplo do mundo real do que acontece nas redes sociais. Como montador, ele passa três meses observando cada gesto, cada silêncio, cada destempero de uma atriz nas cenas gravadas de um longa-metragem. Fica tão mergulhado naquilo que tem a sensação de virar cúmplice dela. Mas aí chega o dia do lançamento do filme, ele a encontra, abre o sorrisão e grita levemente alcoolizado: “Ooooi, bela!”. E a resposta vem com um silêncio ensurdecedor (cri-cri-cri): aquela intimidade nunca existiu no mundo real.

MUNDOS PARALELOS

Para o meu alívio, veio um feriado no momento mais intranquilo dessa empreitada off-line. Aquele momento em que você percebe que só fala do detox pra todo mundo que encontra na rua. Percebo aí, claramente, que o mundo precisa viver em rede na mesma proporção que precisamos de água no sistema Cantareira. A rede hoje funciona como as comunidades, os bairros e as vilas funcionavam no século passado. Enquanto nos escondemos em condomínios fechados, cercados de alarmes, segurança privada e medo, a rede nos permite inventar uma second life, em que convivemos com o próximo, conversamos sobre amenidades e mostramos nosso amor com um simples like bem dado ou um “rsrsrs!” num post qualquer.

Minha sorte é que meu vício na vida virtual veio em consequência de um hábito saudável da vida real. Sou um andarilho, amo a cidade onde moro e gosto de conhecer outras, não como um turista acidental, mas como um possível morador temporário. Essa vontade de mostrar o que vejo em São Paulo ou em qualquer outro lugar, as diferenças entre os bairros nos rolés – #mínimoshorizontespossíveis, #spdoséculopassado, #resistênciaurbana – caiu como uma luva no Instagram. Mais do que likes, comentários favoráveis ou os emoticons em forma de coração, fico feliz quando, por exemplo, dou uma entrevista para um jornalista de uma rádio francesa sobre arte urbana que descobriu as #musasdosato e entendeu a singularidade da beleza natural que eu tento passar nas fotos.

O fato é que passei pelo detox sem maiores danos e volto ao mundo virtual com toda a força. Meu flood no Instagram está preparado, os posts no Facebook estão guardados, vou até falar alguma coisa no Twitter. Se foi bom ficar fora? Não é questão de ser melhor ou pior, o fato é que existem esses dois mundos que caminham em paralelo. Mas que podemos, a qualquer momento, transformar em esquinas. Nem oito nem 80. É ok ter seu nickname, inventar um personagem, virar um avatar, correr atrás dos melhores posts, escrever os 140 caracteres mais retuitados da semana. Mas continuar pegando metrô, comendo aquele bacalhau com a família na Páscoa, viajando com os amigos pra Gonçalves e conversando com o porteiro, isso é fundamental.

*Sato DoBrasil, 46 anos, é diretor de arte, sushiman e vive em São Paulo. Ele é integrante dos coletivos #casadalapa, Frente 3 de Fevereiro e Ocupe a Mídia

É vício, sim. Mas tem tratamento

O professor Cristiano Nabuco, 51 anos, criou o Grupo de Dependência de Internet em 2006. “Já no primeiro dia em que divulgamos, foram 150 ligações”, diz o psicólogo, cuja equipe tem a missão de tratar pessoas que ultrapassaram a barreira do uso saudável da rede. Baseado no Hospital das Clínicas, em São Paulo, o grupo recebe dependentes de vários tipos de tecnologias, de videogame a smartphone. “A internet passa a ser um veneno quando a realidade virtual ocupa mais espaço do que deveria na vida do indivíduo”, afirma o médico. Ele menciona casos extremos, como o de um jovem que passou 55 horas ininterruptas em frente ao computador, mas há situações menos evidentes. São oito os critérios que indicam dependência, como passar muito tempo conectado ou mentir sobre as horas gastas em frente ao computador.

O vício digital se desenvolve à medida que o cérebro libera dopamina, neurotransmissor que traz satisfação. Cria-se uma dependência comportamental, como acontece com jogadores compulsivos – mas diferente do tabagismo, que é uma dependência química. Para Nabuco, os casos de vício tecnológico tendem a aumentar muito e os grandes sites e empresas têm total responsabilidade sobre isso. “Na indústria do cigarro foram necessários 150 anos para que estampassem nos rótulos os riscos de fumar... com a tecnologia não deve ser diferente.”

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