O Rio continua surf

por Diogo Rodriguez

O documentário Rio Breaks mostra que a cidade não vive só de beleza, miséria e violência

É difícil escapar do lugar-comum quando se tenta resumir o que é o Brasil para um gringo. As duas imagens mais óbvias, as belezas naturais e os problemas sociais, logo surgem e alimentam os estereótipos a respeito do país. Ainda mais quando se trata do Rio de Janeiro. O diretor americano Justin Mitchell, 36, aborda justamente desses dois temas em seu documentário Rio Breaks (que estreia na próxima sexta-feira, no Festival do Rio e já foi assunto de matéria na edição 166 da Trip), mas encontrou um elo incomum que o faz fugir do clichê: o surf.

Resultado de filmagens feitas ao longo de um ano na capital fluminense, Rio Breaks retrata a vida de dois garotos da favela do Cantagalo que participam de uma escola de surf, o Favela Surfe Clube. De sua cidade natal, Los Angeles, na Califórnia, Justin Mitchell contou como encontrou Fábio e Naamã (os personagens do filme) e da sua relação com o Rio, que começou com uma viagem de seu pai à cidade e com um professor na faculdade (o renomado antropólogo brasileiro Roberto DaMatta).

Você tinha vindo para o Brasil antes de fazer Rio Breaks?

Não, nunca. Mas sempre quis ir. Isso vem desde os anos 70, quando o meu pai, que era um dos principais câmeras do programa 60 Minutes, foi para o Rio fazer uma reportagem. Cresci ouvindo falar do Rio e dessa viagem que ele fez. Preciso conversar com ele para saber mais dessa história. Eu sempre quis conhecer o Rio. Um dos meus professores na Universidade de Notre Dame foi o Roberto DaMatta [antropólogo carioca], ele me influenciou bastante, não só por causa de seus livros, mas também pelas coisas que ele contava do Brasil. Ele chegou a me dizer: "Você tem que fazer um filme no Brasil". O Roberto Da Matta era muito diferente dos outros professores, ele conversava com os alunos fora da sala de aula, fazia jantares na casa dele, muito solto, divertido. Bem brasileiro.


Como você se deparou com a história do Favela Surf Clube?

Eu havia lido uma matéria na revista Surfer's Path, escrita pelo Vince Medeiros. Eu já pensava em fazer um documentário que tivesse o surf como espinha dorsal, mas que não fosse só sobre isso. Também tinha o Rio nos meus planos como um lugar para visitar e, possivelmente, fazer um filme. Essas coisas se juntaram quando eu li a matéria. Não o conhecia [Vince Medeiros], mas entrei em contato e lancei a ideia. Quando encontrei com ele no Rio, o Favela Surf Club, no morro do Cantagalo, tinha mudado um pouco, estava num hiato. Ainda assim, conseguimos encontrar as pessoas principais do projeto, falar com algumas das crianças. Fui para o Rio algumas vezes para descobrir que história eu ia contar. Mesmo quando decidi passar duas semanas lá, ainda estava tentando decidir em quem eu iria focar a história. Aí eu conheci o Fábio e o Naamã. Na verdade, eles nos acharam. Estávamos na praia, filmando um monte de garotos na água e um garoto pegava todas as ondas, dropava antes de todo mundo. Não dava para saber se era um garoto da favela ou um outro qualquer. O Fábio ficou seguindo a gente por uns dois dias. Eu me perguntei: "Quem é esse garoto?". "Ele não está na escola, fica indo atrás de nós". Depois de três ou quatro dias, começamos a entender melhor as histórias dele e do Naamã, onde eles moravam. Começou aí, com esses dois personagens.

Como você resume o seu filme?
Eu o definiria como a celebração, um cartão-postal de um estrangeiro sobre o Rio, com um pouco de surf e perigo misturados. Ninguém no filme é profissional. Não se trata de mostrar caras surfando extremamente bem, mas de mostrar o que o surf pode fazer por você, como ele pode ter influência na vida de alguém. É uma celebração desse esporte. Estou muito animado com o fato de a première ser no Rio, não poderia ser em um lugar melhor. Espero que essa perspectiva de "outsider" ajude as pessoas a verem coisas que talvez elas não tenham percebido porque vivenciam isso todos os dias.

"O produtor estava atrás de nós e alguém segurando granadas e uma AK-47 perguntou quem ele era, o que estava fazendo ali"

Eu li que vocês se meteram em algumas enrascadas durante a filmagem. O que aconteceu?
Não foi nada de mais. Para nós, foi algo impressionante porque não convivemos com essas coisas. Na primeira vez em que subimos o morro, quando fomos visitar o morro com cinco crianças, estávamos filmando acompanhados com um cara de lá, então achei que estávamos seguros. O produtor estava atrás de nós e alguém segurando granadas e uma AK-47 perguntou para ele quem ele era, o que estava fazendo ali. Ele se explicou e disse que estávamos filmando o Favela Surf Clube e ficou tudo bem. Quando chegamos no morro ele disse: "Cara, temos que dar o fora daqui". Eu queria ficar filmando mais, mas ele fez bem em não me contar o que tinha acontecido. Talvez eu tivesse ficado com medo. Mas eu nunca me senti em perigo. Se você está na favela como convidado, você se sente mais seguro lá do que se estivesse na rua.


Quanto tempo você passou no Rio para fazer esse filme?

O filme documenta mais ou menos um ano da vida desses garotos, mas nós não ficamos esse tempo todo lá. Fizemos uma primeira viagem de seis ou sete semanas e outra de uma semana. Os produtores associados filmaram um campeonato de surf quando não pude ir para lá. Até deixei minha câmera por saber que isso poderia acontecer.

A antropologia influenciou seu modo de fazer cinema?

Bom, o livro Carnaval, malandros e heróis [de Roberto DaMatta] tem uma certa tanta influência, mas não tanto. No modo como eu faço cinema, não, mas certamente tem no meu jeito de olhar as coisas e na busca por aprender mais sobre o Brasil [Mitchell é formado em antropologia e cinema].

Você surfa há quanto tempo?
Eu cresci fazendo bodysurfing e bodyboarding, mas eu nunca fui surfista. Comecei quando tinha uns 20.

Deu tempo de pegar umas ondas enquanto você esteve no Rio?

Surfei, mas lá eu descobri que gosto mais de filmar as pessoas surfando, na água.

Vai lá: Rio Breaks estréia no Festival do Rio
Sexta-feira, 02/10, às 12h30 e às 19h15
Espaço de Cinema 1 (R. Voluntários da Pátria, 35, Botafogo, Rio de Janeiro)
Confira outros horários no site do Festival

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