A neurociência e a cultura dos bionegócios apontam o perfil do homem no novo mundo
A neurociência e a cultura dos bionegócios apontam o perfil do homem no novo mundo do trabalho: cooperador, humilde, introspectivo e que sabe rimar competitividade com cooperação
Talvez não seja das coisas mais prudentes a dizer para seu chefe, mas o fato é que as marés, os corais e os animais em geral entendem muito mais de negócios e sobre gestão de equipe do que ele. E mais do que muito CEO com dúzias de MBAs. A natureza sabe competir, cooperar, negociar e disputar melhor (ou, no mínimo, com milênios de experiência) do que os seres humanos. Era essa a certeza do designer Fred Gelli ao levar para a Fundação Getúlio Vargas o tema “Bionegócios”, que desde 2010 é estudado por ele e por uma equipe de professores e apresentado em diversos fóruns.
“Meu projeto começou com uma provocação que eu fiz para o André Carvalho [pesquisador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-SP] e para a Lígia Martins [coordenadora de Responsabilidade e Sustentabilidade da FGV-PR], tentando entender como a natureza faz negócios”, rememora Gelli, que é criador da agência Tátil e de logomarcas como a dos Jogos Olímpicos do Rio 2016. Ele revela que, vencido o estranhamento dos interlocutores, o projeto ganhou corpo. “Eles nos ajudaram a estabelecer conexões possíveis e identificar as inspirações mais promissoras do desenho de um novo jeito de fazer negócios.” Em novembro próximo, o trabalho da Tátil com a FGV será levado ao HSM ExpoManagement, em São Paulo, para um público estimado em 4 mil pessoas, dentre os quais mil CEOs de grandes empresas.
Uma recepção bem diferente da que o designer obteve em 1986, quando, iniciando na profissão, defendia estudos sobre como a natureza embala seus “produtos” em comparação com as indústrias. “Era uma época em que ninguém se importava com essas coisas”, lembra. “Só ouviram falar em ecologia direito na Eco 92.”
Gelli gosta de citar exemplos: a disputa de dois pássaros por um alimento é um deles. O designer explica que, se a disputa for prolongada por mais tempo do que o necessário, passa a não valer mais a pena para nenhum. Os corais e outros ecossistemas apresentam também seus estilos de negociação. Não se trata de filantropia – é algo mais próximo da máxima grega que prega o “nada em excesso”: “A natureza detesta desperdícios”, diz Gelli. “O conceito de lucro existe na natureza. Um organismo tem seu próprio lucro, e, para a natureza, é fundamental que todos estejam lucrando, ou o ecossistema se desestabiliza. É o que chamamos de valor compartilhado. Da mesma forma, não há nada de antinatural na competição. A evolução das espécies depende dela. Ela faz com que alguns organismos ganhem capacidades extras. Só que nos ecossistemas, a competição é equilibrada pela lógica da cooperação, e no mundo humano a competição é marcada pela ganância. Se você não tem cooperação, acontecem disputas que são negativas para todos.”
A conclusão de Gelli vai muito além de tendências do mundo corporativo. A neurociência chegou às mesmas conclusões, como prova o livro Braintrust: What neuroscience tells us about morality, lançado em 2011 pela pesquisadora americana Patricia S. Churchland, que vasculha a formação da moralidade nos animais e a entende como um fenômeno da natureza, que passa pela atividade do hormônio oxitocina, produzido pelo hipotálamo e apelidado de “o hormônio do amor”. Até o famigerado networking (a rede de relacionamentos do mundo do trabalho) tem os dois pés na neurociência e na amiga oxitocina.
Nós S/A
Pela lógica do bionegócio, não existe nada mais antiecológico do que um sistema baseado em repetidas puxadas de tapete e em colegas de trabalho no papel de inimigos em potencial. A lógica yuppie da competição predatória e do “seu colega é seu competidor” precisa desaparecer. “As empresas estão buscando estabelecer conversas. Os competidores passam a ser parceiros, os inimigos passam a ser frenemies, friends + enemies”, afirma Adriano Silva, diretor de uma empresa de conteúdo, Doce ofício, em cuja carteira estão grandes empresas como Philips e Ambev. “Estamos todos em rede. É preciso aprender a operar e a ser competitivo considerando esse novo paradigma, que requer cooperação, horizontalismo e audição – e até uma boa dose de humildade, compaixão e paciência por parte dos antigos tubarões.”
Silva foi o primeiro diretor de marketing da revista Você S/A, lançada em 1998 pela editora Abril, especializada no mundo corporativo, com foco especial na formação individual de carreiras. Catorze anos depois, ele vê o sistema que ajudou a cristalizar prestes a ruir. O próprio executivo falastrão, gregário e “proativo”, rei das famigeradas dinâmicas de grupo, tem sido descartado em livros como O poder dos quietos (2012), de Susan Cain. “A introversão é bacana quando aproxima o sujeito dele mesmo”, diz Adriano Silva. “É ruim quando o trava.”
O atual editor da revista, Murilo Ohl, diz que o grande problema é que as empresas ainda hoje estabelecem-se sobre modelos ultrapassados de trabalho. “Todo mundo quer uma experiência de vida única, original e autêntica”, diz. “Mas empresas têm muita dificuldade de proporcionar isso. São lugares onde ainda predomina a hierarquia, os processos engessados e o controle. Mas, ao mesmo tempo, vejo surgir novas formas de trabalho que podem absorver os descontentes. São as atividades baseadas em cooperação, coletividade, compartilhamento do conhecimento e trabalho em rede. Esses formatos ainda carecem de maior maturidade, mas tudo aponta que eles vão coexistir com o trabalho tradicional”, completa.
Ricardo Guimarães, presidente da Thymus Branding e colunista da Trip, lembra que cooperação não é, necessariamente, oposta à destruição. “Existe a cooperação predatória”, diz. “É aquela em que indivíduos se unem para destruir seus semelhantes-diferentes, efeito também da oxitocina, para provar que a natureza não é virtuosa nem viciosa.”
“A competição mais séria não é entre os indivíduos da tribo e nem entre tribos, mas entre as pessoas/tribos e o meio ambiente. E a regra é quanto mais rápido se aprende a lidar com o ambiente, mais garantida está a sobrevivência. E o nome disso é evolução. As tribos que competem mais do que cooperam demoram muito para aprender e acabam sucumbindo ao ambiente. Portanto, a lei da selva que determina a sobrevivência não é a competição, mas a cooperação. Tudo isso é ciência, OK? Darwin na veia”, observa.