O preconceito das pessoas

por Luiz Alberto Mendes

Professores

 

Quando preso, trabalhava no setor de educação do presídio, e tinha uma relação bastante agradável com professores e professoras. Como fui professor pôr quase uma década na extinta Casa de Detenção de São Paulo, trazia muitas informações para trocar com eles. A experiência deles como professores era bastante diferenciada da minha. Eles eram jovens, cheios de vida (a maioria mulheres), bonitos e exuberantes. Vinham de fora ensinar na prisão. Eu estava preso e ensinava a companheiros de vicissitudes. 

As professoras me chamaram a atenção para um detalhe muito interessante. O que se passa na cabeça das pessoas sobre o que seja prisão. Elas diziam que quando falavam que estavam dando aulas na cadeia, as pessoas ficam pasmas. Faziam mil perguntas, curiosas. A primeira delas é se elas estavam ficando loucas. Depois se os pais delas sabiam e deixavam; se era prisão feminina; se elas não tinham medo; e se haviam aulas mesmo. Queriam saber como eram as salas de aula; se os guardas ficavam juntos; e se os presos assistiam aulas algemados.

Afirmavam que muitas pessoas pensavam que seria impossível dar aulas. Julgavam que éramos brutais, monstruosos, psicopatas e incapazes de aprendizado. Outras imaginam que a sala de aula seria como uma jaula, em que os professores ministram aulas totalmente protegidos dos alunos por vidros blindados. Ainda havia quem imaginava policiais armados rodeando professores, separando-os ostensivamente dos alunos.

Posteriormente, conversando com uma das psicólogas da prisão, ela me afirmou que o mesmo se dava com ela. Quando afirmava que trabalhava na prisão, as pessoas se assustavam. E as perguntas eram, basicamente, as acima citadas. Pensavam que vivíamos vestidos em camisa de força e ela nos ministrasse eletrochoque. Disse-me que quando mostrou um dos livros que escrevi, as pessoas não queriam acreditar que um preso fosse capaz de escrever um livro. Ainda mais editado pela Companhia das Letras. Um absurdo. Só mostrando é que acreditavam; ainda assim desconfiavam que alguém houvesse escrito para mim.

Uma das professoras que trabalhava com alfabetização, disse-me que as pessoas têm em mente apenas o que a mídia veicula. E, como o preso só aparece quando há rebelião nos presídios, é isso que fica gravado no imaginário delas. Imagens padronizadas de presos encapuzados segurando enormes facas improvisadas no pescoço dos reféns.  Nada de bom aparecia sobre o preso, apenas braços e pernas saindo de grades nas janelas dos presídios. Não nos mostravam trabalhando nas oficinas, estudando nas escolas ou recebendo nossos visitantes. Não nos mostravam com nossos filhos, esposas, mães, em atitudes carinhosas.

Não é porque estávamos presos que deixávamos de ser humanos. Estávamos, mas não éramos. Não abdicávamos de nossa humanidade porque, em determinado momento, agredimos, ferimos ou até matamos. Algumas professoras que tiveram a experiência de ministrar aulas nas escolas públicas ou pagas preferiam os alunos da prisão. Seus alunos presos não as ameaçam. Buscam a simpatia e a amizade delas pela imensa carência afetiva em que viviam mergulhados. Os alunos não batiam nos professores. Professores não são assassinados pôr alunos. Não havia brigas, nem ao menos discussão em sala de aula.

As aulas aconteciam em um clima de harmonia em que um olhava o outro para que tudo transcorresse suavemente. O preso sente-se responsável por manter a escola intocável, porque é o único veículo que a sociedade lhes oferece para a reaproximação social. Não éramos obrigados a estudar. Procurávamos a escola porque queríamos aprender os códigos sociais para podermos participar pôr inteiro da vida em sociedade quando livres.

Para o preso, a escola é quase sagrada. Os professores são uma espécie de mensageiros da liberdade que trazerem informações quentíssimas do mundo lá de fora. São pessoas altamente valorizadas e respeitadas no presídio. E todos eles sentiam isso, por mais a Direção dos presídios tentassem preveni-los conta nós. Tornavam-se nossos amigos e nossos defensores frente à sociedade.

                                           **

Luiz Mendes

06/02/2015.                                                                                   

 

fechar