O poderoso chefão

por Carlos Nader
Trip #125

Carta aberta ao Bispo Edir Macedo

Caro Edir Macedo,

Lembro a primeira vez em que entrei num templo da Igreja Universal, em 1992. Foi uma revelação, Bispo. Bem antes que alguém pudesse imaginar que a Igreja Católica fosse produzir um padre aeróbico, a Universal já propunha a transformação da liturgia religiosa em programa de auditório. Padrão SBT. Eu tinha olhos para ver e vi.

O púlpito era um palco neutro. A trilha sonora, composta por hits instantâneos. O sacerdote usava gravata, falava ao microfone com a fluência de um Gugu em transe, gesticulava como um Ratinho slow-motion, extraía hóstias de uma espécie de pão Pullman coletivo e terminava cada frase com uma interrogação mântrico-didática: "Amém, pessoal?".

Havia algum mistério na simplicidade da cerimônia. Ela instalava no templo o ambiente dramático que todo espetáculo almeja. Não sei bem o que era, mas sei que ela gerava uma comoção coletiva que, turbinada pelas imagens de tantas pessoas humildes entregues ao espírito do evento, atingia inclusive a mim. Confesso.

Aliás, Bispo Macedo, aproveito sua autoridade religiosa para confessar ainda que sinto aqui um leve tremor nas mãos enquanto batuco estas mal digitadas. Afinal, estou escrevendo ao futuro homem mais poderoso do país. Sim. Quanto a isso não deixam dúvida nem a morte de Roberto Marinho num passado próximo, nem as trevas culturais deste presente que o abismo social e o excesso de informação vazia tornam cada vez mais distante de nós mesmos. Não é paradoxal que as mesmas condições que geram as tais trevas gerem também a procura de organizações como a sua e o coloquem nessa condição de futuro homem mais poderoso do Brasil. Futuro? Quem mais é hoje, ao mesmo tempo, pontífice religioso, empresário multinacional multimilionário, líder de bancada política suprapartidária e titã da comunicação eletrônica?

O poder da palavra

O senhor tem uns 12 milhões de votos nas mãos. Numa eleição de dois turnos, 12 milhões é um número que decide. E nós sabemos que são votos, digamos, fiéis. Para direcioná-los, não é preciso levar ao horário nobre a edição dúbia de algum debate eleitoral. A influência que o senhor exerce é mais precisa e econômica. Basta uma palavra. Ou melhor, três: "Vote em fulano". Ou melhor, seis: "Deus quer que votemos em Fulano".

E o senhor ainda é dono da terceira maior rede de TV do país. Não é pouco, mas acre-dito que o seu veículo de comunicação mais moderno seja mesmo a própria igreja. É uma instituição que tem características invejáveis para qualquer empresa. Ela é líder de um mercado segmentado. Isenta de impostos. Prospera em tempos de crise. Seus funcionários têm uma motivação do além. E o sistema de cobrança é sofisticado, customizado, baseado num percentual dos ganhos de cada assinante, o que garante uma mensalidade paga religiosamente.

A Igreja Universal se tornou o maior sistema de mídia pay-per-view do Brasil. E, se eu digo isso com óbvia ironia, Bispo Macedo, é porque, apesar de respeitar profundamente a fé das pessoas, não acredito que a fé dê alguma imunidade ideológica àqueles que a têm. Mas não é que eu veja no dinheiro o seu principal motor.

Se o seu público não pára de crescer, é porque a sua organização presta a ele um serviço desejado. Além disso, apesar de discordar da sua idéia de civilização, vejo nela um valor civilizatório. Quem há de discordar que sem a ideologia que o senhor propõe - essa ascese tropical ao mesmo tempo muito louca e muito careta - a criminalidade e a degradação social no país estariam em níveis ainda piores?

Subindo o morro

O movimento evangélico, tanto nas vertentes mais libertárias quanto nas mais fundamentalistas, sempre se dedicou aos pobres. Durante anos, foi a única instituição de envergadura nacional a subir morro. Única, é claro, fora a polícia e a própria TV. Só que, enquanto os missionários evangélicos têm uma mensagem clara, as forças da ordem e da mídia são bastante ambíguas, não são?

De um lado, ninguém nunca entendeu se a polícia, representante do Estado, vai à periferia para proteger ou perturbar. De outro, nunca ficou claro se a TV, representante da cultura oficial, quer que o público creia nas palavras dos seus apresentadores, que pregam moral a cada vírgula, ou nas imagens apresentadas, que sussurram incessantemente: "Você tem tudo ou você é nada".

Nessas condições, sua organização está com o crescimento garantido. Amém, pessoal?

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