Corrupção
Um Barão não sei das quantas dizia, com muita propriedade, que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Eu acrescentaria, para a frase ficar mais completa, que a falta de poder corrompe mais ainda.
O que é corrupção, na verdade? O dicionário afirma que é decomposição, putrefação, depravação, perversão, suborno e vai por ai afora. Talvez, se levado para o lado humano, corrupção seja a decomposição do caráter individual. Decomposição em termos de valores eleitos pelo contrato social. Penso que seja um rompimento, para aquele que se corrompe, com a crença abstrata da propriedade alheia. O que pertence ao outro só é dele por que não interessam; por que estão longe do alcance (como no caso da raposa e das uvas); ou por que existe leis, polícia, sistema prisional e talvez, justiça.
Eu não me corrompi. Nasci corrompido. Já de pequeno não respeitava a propriedade alheia. O único impedimento era os olhos dos outros a me vigiar. Na família já estava escrachado como ladrãozinho; tudo o que sumia era culpa minha. Minha mãe me revistava antes de sair da casa dos outros, e mesmo assim, às vezes, eu conseguia levar algo. Acho que comecei a roubar meu pai com uns 6 ou 7 anos de idade. Ele chegava bêbado, eu me escondia na casinha do cachorro com medo dele. Quando ele desmaiava de tão alcoolizado, eu e minha mão o despíamos e o colocávamos na cama. Era ai que eu mexia no bolso dele e tirava sempre algumas notas. Ele nunca percebeu; estava sempre apagado...
Fui aprender a respeitar as coisas dos outros na prisão. No meu tempo, coitado daquele que fosse pego roubando na prisão. O castigo era brutal. Seria extremamente humilhado, literalmente espezinhado e vi muitos pagarem com a vida. Pense o contrário: como seria a convivência na prisão, sendo todos ladrões, se fosse liberado roubar? Ficaria insustentável, concorda? Depois fui, aos poucos, aprendendo valores e a honestidade, até na prisão, descobri que é a melhor forma de relacionamento possível com os outros. Honestidade tem a ver com verdade, com amor, com respeito ao outro e não apenas com o castigo. Com 61 anos de idade e tendo vivido tudo acerca de castigos, já não temo o que possam fazer comigo.
Quando alguém exerce poder sobre nós, nos rouba o poder que temos sobre nós. É então que a falta de poder sobre nós nos corrompe por dentro com idéias de desvaler, que os outros de fato são melhores que nós e que nossa existência não tem importância alguma. Nossa auto-estima vai ao chão, nos achamos culpados de tudo e isso nos corrompe no mais profundo de nós. Recuperar é difícil, talvez esta seja a parte mais difícil da reintegração social. Eu dei muita sorte: tive muitos amigos que me apoiaram, uma proteção que jamais me deixou em falta, um desejo enorme de amar e ser amado, os livros que sempre me salvaram e chances de construir uma vontade imperiosa.
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Luiz Mendes
13/06/2013.