por Redação

Cardoso faz sua estréia literária

André ?Cardoso? Czarnobai, criador do e-zine mais lido e comentado da internet brasileira, o extinto CardosoOnline, faz sua estréia literária com Cavernas & Concubinas, pela DBA [www.dbaeditora.com.br, 184 págs, R$32.]. O escritor, um dos grandes entusiastas do gonzo jornalismo no Brasil, conversou com o site da Trip. 


1. Grande parte dos textos do livro foi publicada antes na internet. Olhando-os no papel, editados, no entanto, eles se transformaram. Sai a primeira pessoa que [mesmo quando não se quer] impregna o ?blógue? e entram as vozes dos narradores que [mesmo sem querer] tomam conta dos relatos. Muita diferença ver o texto, antes desaguado na internet, virar livro? O que muda?
Cara, muda MUITA coisa. Como já falei outras vezes, a mudança de SUPORTE e, por conseguinte, de DIAGRAMAÇÃO das letrinhas, tem um efeito devastador no produto final. Apesar de não parecer, a literatura é, também, uma arte VISUAL, e a forma como as frases que tu escreveu estão dispostas no VEÍCULO onde tu as lê faz toda a diferença. Na passagem do virtual pro SÓLIDO o que eu mais senti foi uma mudança nos RITMOS
internos dos meus textos. Quando publico na TELA, eles têm mais espaços em branco entre uma frase e outra. Parece que RESPIRAM mais. Assim, impressos, estão mais CONDENSADOS, mais amarrados. Eu estranho um pouco. Estou tão acostumado a vê-los do MEU jeito que tem uns impressos que nem parecem que são MEUS. Heheh. Mas eu gosto dessa diferença, também. Abre possibilidades para uma NOVA leitura.

2. O Cavernas & Concubinas tem passagens hilárias. O Millôr Fernandes, depois de concluir que sabe muito pouco das coisas, termina um texto chamado ?Notas de um Ignorante? dizendo: ?Só resta mesmo uma conclusão a que durante anos e anos me recusei por orgulho e vergonha ? sou, por natureza e formação, um humorista?. Você se considera um humorista?
Sim, com certeza, apesar de tudo isso ter sido bastante INVOLUNTÁRIO.
Quando eu ainda desenhava quadrinhos, ali pelos idos de 92, eu fazia histórias SÉRIAS. As personagens eram agentes secretos, ninjas, assassinos. E as TRAMAS eram PESADAS pra caralho. Mesmo assim, todo mundo que lia se MIJAVA rindo. Eu não entendia. Quando comecei a escrever, alguns anos depois, muita gente notava traços de HUMOR no meu
texto, mas eu renegava o rótulo VEEMENTEMENTE. Com o tempo, o ROCOCÓ demigótico(???) da adolescência foi derretendo e eu comecei a parar com esse DRAMA todo. Resolvi não me levar assim TÃO a sério. E assim, despido de pretensões e preconcentiso(???), passei a me ASSUMIR como tirador de SARRO, como GOZADOR. E o pior é que tomei GOSTO pela coisa. E agora acho que não tem mais volta.

3. O Allan Sieber ilustra o livro, é isso? Se sim, como foi a parceria?
Por ter me envolvido muito cedo com HQ, acompanho o trabalho do Allan há uma bela data. Um belo dia, o Deus é Pai foi CENSURADO na MTV, e eu resolvi agitar uns contatos pra fazer uma entrevista com ele pro COL. Ele topou, começou a assinar o zine, curtiu, e chegou até mesmo a colaborar com uns textos HILÁRIOS algumas vezes. Só bastante tempo depois que o CardosOnline acabou é que fomos nos encontrar pela primeira
vez, num Festival de Cinema de Gramado, mas não conseguimos nos falar direito. Acabamos trocando e-mails, eu lia o blog dele, e ele, o meu. No começo de 2004, eu e o Suruba (da IRD) criamos uma revista chamada RAOUL, pra publicar gonzojornalismo. Chamamos o Allan pra ilustrar, mas o projeto não foi pra frente. Então, no fim de 2004, eu resolvi fazer uma proposta a ele: que transformasse a minha narrativa longa SUPERCOMUNISMOPRACARALHO em uma HQ. No fim, decidimos que o texto não se prestava a isso, e que talvez fosse melhor apenas ILUSTRAR cada um dos capítulos. Fato é que aí eu já estava em DÍVIDA com o PATRÍCIO. Como ainda não temos uma EDITORA para bancar essa idéia e todos os volumes da coleção ?Risco:Ruído? da DBA são ilustrados, resolvi me REDIMIR e o convidei para fazer essa mão. E o Allan, como de costume, MATOU a pau.

4. ?O segredo da vida é que o para sempre é o tempo que a gente vive, porque não existe absolutamente nada além disso?, ?um dia é sempre o mesmo dia, é sempre agora.? Esses trechos parecem chaves pra entender o livro. Pode ser?
Bem observado. Tem a ver. Penso muito nesse livro como a SACRALIZAÇÃO de uma época bem específica da minha vida. Todos esses textos foram escritos nos últimos CINCO anos (a maior parte deles, nos últimos DOIS). Isso abrange um período que vai dos meus 20 aos 25 anos e se relaciona
muito diretamente com essas URGÊNCIAS de quem está descobrindo a vida e tentando, loucamente, se abraçar a alguns conceitos para ENTENDER melhor o que diabos está acontecendo. Tem toda essa pilha de CARPE DIEM e ANTICONFORMISMO inclusa nele, ao mesmo tempo que também tem um certo quê de BUDISMO, com a aceitação da IMPERMANÊNCIA; e uma boa dose de NIILISMO. No fundo no fundo, esse samba do CRIOULO doido pós-moderno acabou se traduzindo num quase CUBISMO, um quase DADAÍSMO, a palavra VIVA de uma criatura urbana CONTEMPORÂNEA.


5. O último texto do livro, ?Experiênça?, tem, como diz o subtítulo, ?uma proposta gonzo?. Qual a influência do Hunter Thompson no que você faz?
O Hunter me ensinou a não me levar a sério. A desenvolver a capacidade de RIR de mim mesmo. E a melhor parte disso foi que, no meio desse PROCESSO, acabei descobrindo que um homem que consegue rir PLENAMENTE de si mesmo é praticamente INDERRUBÁVEL.

Trip +
Como prometemos nas páginas da Trip, o trecho do livro de estréia de Cardoso:

 

?Meio par de semanas atrás foi que tropecei nesta mesa armada no meio da calçada, em cima de uma tábua de COMPENSADO fino y rojo, na frente da WILMA LANCHES, ali em Petrópolis. Pois eis que vinha andando meu TROTE CARACTERÍSTICO quando enganchei o SACO na quina BELISCOSA desse MÓVEL e terminei por CATAPULTAR-ME por cima das dezenas de itens, virando, em linda MANOBRA, gravetos e PRANCHA. À poeira grossa do chão ficaram misturados todos estes pacotinhos molengas e cheirosos, atraindo as presenças CANINA, FELINA URUBUÍCA.

Intriguei-me ÀS BRAVAS.

Franzia a FRONTE em severa questã quando avistei, entonces, o VELHO.
Lascava assovios e arranhões GARGÂNTICOS e distribuía LAMBADAS com a
palma da mão ESPALMADA pra cima do BICHÓRDIO, que havia avançado em BANDO sobre os embrulhos.
Já afastava a sujeira do tombo aos TAPAS quando finalmente entendi o que COMERCIALIZAVA esse SENHOR.

Carne. Vários cortes. O perfume diverso dos açougues me ASSANHOU a curiosidade, então decidi me aproximar. Tentei iniciar a PROSA pedindo-lhe desculpas, mas antes que pudesse estender-lhe a mão em AUXÍLIO, eis que percebo a inconfundível silhueta de um RIM HUMANO pesando pouco sobre a calçada.

Levei pra casa dois FÍGADOS.

Um preparei com molho de MEL e MOSTARDA e servi aos meus COLEGAS de trabalho como aperitivo do último churrasco da empresa. O outro eu deixei baixado pro caso de inventarem de fazer DE NOVO essa merda lá em casa.?

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