por Caio Ferretti
Trip #208

O mesmo personagem, o mesmo enquadramento e seis fotógrafos brasileiros do primeiro time

O mesmo personagem: o cantor gospel menon Messias, deficiente visual que vende seus CDs nas ruas de São Paulo. A mesma roupa. O mesmo enquadramento e seis fotógrafos brasileiros do primeiro time: Márcio Scavone, Christian Gaul, Marcos Vilas boas, Jairo Goldflus, Marcelo Gomes e Daniel Klajmic. Nas páginas a seguir, eles mostram seus retratos, revelam seus truques de luz e provam que a iluminação muda tudo

 

Com o microfone em uma mão e uma vareta metálica tocando o chão na outra, o discurso começa: “Vamos cantar, minha gente! Cantar faz bem para o sistema imunológico. Cantando estamos felizes, geramos endorfina. E xingando geramos adrenalina”. O recado é para os motoristas engarrafados na tumultuada avenida Rebouças, em São Paulo. Foi ali, em um ponto de ônibus, que encontramos o senhor retratado nestas fotos. “Gosto de passar mensagens do bem viver”, explica. E gosta de cantar também. Cego há mais de 30 anos por um problema que vem de nascença, aguçaram-se seus ouvidos. Gravou dois CDs de música religiosa e poderia estar em nossa seção Nomes Adequados: chama-se Messias. Para ser exato, Agamenon Messias.

Enquanto canta ou discursa, Menon, como é conhecido, trava uma desigual batalha com os motores dos ônibus que passam a menos de 1 metro de distância. Para vencer a disputa de quem emite mais decibéis, se equipou. Carrega pendurada em cada ombro uma caixa de som com 30 watts de potência, ajustadas sempre num consideravelmente alto volume. É que, além dos ruidosos ônibus, Menon precisa vencer também os “bip-bips” dos motoboys. Mesmo assim vende entre dez e 15 CDs por dia, ao modesto preço de R$ 5. Para não se confundir na hora do troco, tem suas táticas. Com a ajuda da mulher, já sai de casa com notas de R$ 5 em um bolso e de R$ 10 em outro. Já quis ser famoso, quando era mais jovem e cantava música romântica brega. Mas agora, aos 65 anos, não mais. “Quando ficamos mais velhos deixamos a vaidade e começamos a pensar mais no lado espiritual.” Foi o que aconteceu com Menon. Apesar de não se considerar evangélico, passou a frequentar a igreja Casa de Oração Assembleia de Deus, no Jardim São Luís (zona sul paulistana), onde toda semana interpreta suas canções gospel para uma plateia 100% evangélica.

Durante as sessões de fotos que fez para a Trip, divididas em dois dias, Menon disse que se sentiu próximo à fama que já não busca mais. Mesmo sem enxergar a produção envolvida nos retratos (“vejo tudo preto, mas às vezes há uma mancha branca”), ele contou poder sentir o que acontecia. “No primeiro e no último fotógrafo eu senti um foco de luz mais forte e mais próximo do rosto.” E era isso mesmo. Os dois retratistas em questão, Jairo Goldflus e Daniel Klajmic, utilizaram fontes de luz bem próximas a Menon. O que comprova uma das muitas mensagens que ele profere enquanto canta suas músicas no tal ponto de ônibus: “A visão pode ser limitada, mas a percepção é ilimitada”.

 

MAKING-OF: Veja como cada fotógrafo criou a luz para os cliques

Jairo Goldflus
Fotógrafo há 25 anos
Câmera: Hasselblad H2 com back digital

“No meu trabalho a luz controlada é a coisa mais importante, é na luz que você faz o clima. Usei uma iluminação clássica de retratos: uma fonte de luz atrás e uma na frente, o que acho mais bacana para este tipo de foto. É como se faz desde a década de 30, mudou o equipamento, mas a iluminação é basicamente a mesma. Fica bem fechada no retratado, acaba funcionando como uma iluminação de pintura que se adaptou à fotografia e se eternizou. Sempre foi e sempre será boa para retrato.”

Marcos Vilas boas
Fotógrafo há 20 anos
Câmera:
Linhof Technik da antiga Alemanha Ocidental

“É uma câmera que uso muito para paisagens, mas que funciona bem para retrato. Não cliquei em chapas de filme, mas de Polaroid, acopladas atrás da câmera. Tanto essa câmera quanto a Polaroid definem muito o estilo da fotografia, como ela capta a luz e a textura. Aqui deixei a luz natural – são raras as vezes em que ela não é melhor do que qualquer outra luz que eu faça artificialmente. É muito comum você desenhar uma luz que nunca vai chegar aos pés daquela que já existe no lugar. Vim aqui pensando em fazer com uma luz frontal, mas ficou mais interessante a luz lateral, com o biombo branco refletindo um pouco.”
Agradecimento: brechó “Minha Avó Tinha”

Daniel Klajmic
Fotógrafo há 15 anos
Câmera:
Hasselblad H2 com back digital de 60 MP, lente 120 mm macro

“Eu quis fazer um foco de luz mais presente nele, para poder modelar o que eu quisesse mostrar e o que eu quisesse ocultar. Como estamos trabalhando todos com o mesmo enquadramento, tentei usar a luz como minha forma específica de enquadrar, ou seja, iluminar as áreas que eu queria enfatizar, a parte de expressão e olhos, e ocultar outras coisas sem tirar do quadro. Pra isso, usei um foco de luz com Fresnel para controlar onde estaria o foco, a informação. Fiz opções com o flash atrás, para ter um recorte, e sem o flash, que fica só com o foco de luz. Desde o início da história eu tinha pensado em fazer o retrato mais em cima da expressão dele, com a coisa dos olhos, que estão lá, mas não veem como os nossos. Queria captar um pouco desse não olhar-dele.”

Márcio Scavone
Fotógrafo há 40 anos
Câmera:
Hasselblad com back digital de 40 MP, lente 60mm

“Quis deixar uma luz simples. Faço muito isso, usei apenas uma fonte, um monoteísmo. Este flash que vem de cima é uma iluminação muito minha, e o rebatedor faz parte. A luz é a sintaxe, é o vocabulário do fotógrafo, nós contamos a história com ela. Na verdade, a iluminação que você põe no personagem com o flash é uma luz física, medida, esperada e estudada. A luz que realmente me interessa é a que volta dos fotografados, essa é a que dá a identidade. Também usei esse fundo porque gosto muito das texturas, acho que combina com o personagem.”

Marcelo Gomes
Fotógrafo há cinco anos
Câmera:
Leica M6 com filme Kodak ASA 100

“Basicamente faço fotos sempre neste estilo, vario poucas coisas, no máximo mudo para preto e branco. Usei este filme mais frio porque o taco do piso deixa uma sombra meio alaranjada de luz. Acho que a única maneira de fotografar luz natural, para que realmente fique legal, é com filme. Por ser um retrato, acho que nada mais justo que seja iluminação natural, de janela. O biombo foi pra dar uma rebatida, uma luz suave do outro lado do rosto, pra não ficar tão escondido. Não que ficaria, porque a vantagem do filme é justamente essa, tenho um pouco mais de latitude, as coisas não são tão extremas.”

Christian Gaul
Fotógrafo há 20 anos
Câmera:
Canon EOS D1 Mark III, lente 24 mm-70 mm

“Fiz três tipos de luz, para escolher com calma depois. Com os resultados, optei pela última das tentativas, uma luz que tenho usado cada vez mais e que resolve a maioria dos meus problemas pra esse tipo de retrato rápido. Foi com flash, estilo snapshot. Usei um flash grande, de gerador, e posicionei bem perto da câmera. Sem nenhum filtro, sem rase, sombrinha, sem nada e mandei direto no sujeito. Cada tipo de luz nos dá uma leitura diferente do personagem, cada uma vai refletir uma qualidade específica dele.”

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