Seleção Brasileira
Há quanto tempo não temos uma alegria real com a Seleção Brasileira de futebol? Muito tempo, não é mesmo? Não gosto muito de futebol; jamais fui bom nisso de chutar bola. Sempre gostei mais de boxe; onde me sai muito melhor. Mas Seleção é Seleção do meu país, envolve patriotismo; assistir ou saber é importante.
Mas já houve um tempo em que gostava bastante de futebol. Sabia tudo e sobre todos os times, sem jamais haver jogado uma partida inteira sequer. Meus interesses não eram bem futebol. Eu criara um “bolão” na Penitenciária do Estado. Eram os 13 jogos, copiando a loteria esportiva oficial. Fazia as “pules” (onde se registrava os palpites) e depois os “mapas” (resumo de quem jogava e seus palpites) escrevendo tudo à mão, com sufite e carbono. Cada “pule” custava dois maços de cigarros. Os “faxinas” distribuíam e recolhiam os palpites com os maços de cigarro, em troca de jogar gratuitamente. Eu tirava 20% do montante como minha parte por promover e administrar.
Lia todas as revistas de futebol, tipo Placar, de cabo a rabo. Ouvia e assistia aos jogos e programas esportivos no rádio e na TV. Colhia todas as informações possíveis para fazer meus cálculos. Acreditava que, através da matemática e das informações, conseguiria acertar mais que todos os parceiros do bolão. Era jovem, cheio de planos e maquinações. Em ultima instância, a idéia era montar um esquema infalível que pudesse fazer os 13 pontos da loteria esportiva oficial.
Fora campeão de xadrez em todos os torneios das prisões pelas quais passara. Ninguém me vencia; eu estudava o tabuleiro e ensinava xadrez a quem quisesse aprender. A tentativa era de estar sempre a três ou quatro jogadas na frente dos parceiros. Um segredo: a maioria dos adversários haviam sido meus aprendizes. Conhecia suas dificuldades. Nessa mesma fase, eu e um grupo de amigos começamos a ganhar dinheiro montando palavras cruzadas. Tínhamos um editor. Ele nos pagava mixaria, mas para nós ali presos, era uma pequena fortuna.
Depois de mais de ano de insistência e perdas, o esquema começou a dar certo. Eu fazia o “bolão” e ganhava quase sempre. Nunca ganhava sozinho, mas sempre que fossem vários os ganhadores, eu “chegava junto” também. Claro, o “bolão” era proibido pelo regimento interno das prisões. Tudo era clandestino, mas vários guardas jogavam também.
Meu “bolão” cresceu, arrumei associações nos outros dois pavilhões da prisão. De repente já não era só cigarro. Eu vendia os cigarros a dinheiro (também proibido), mais barato e pagava o prêmio em dinheiro. Suspeitava-se que quem tivesse muitos maços de cigarros na cela traficava drogas ou fazia “bolão”.
Quando a Chefia de Disciplina percebeu que eu estava ganhando um dinheiro razoável (eles tinham agentes entre nós), decidiram me parar. Invadiam minha cela de manhã e de tarde para revistar. Como nunca pegavam nada (eu também tinha meus agentes), enchiam-se de ódio de mim. Ao final e ao cabo, percebi que de repente cometeria algum erro e eles me pegariam. As celas de castigo não eram nada agradáveis.
Foi nessa época que aprendi a fazer uma renda indígena que era absoluta novidade. Traficantes que foram presos no Paraguai me ensinaram. Comecei a produzir toalhas de mesa, colchas, caminhos, depois inventei umas blusinhas... Minha mãe vendia aqui fora. Montei a minha fabrica com os companheiros e prossegui a vida.
Futebol, que perdera a emoção porque eu não podia mais montar o “bolão”, foi substituído por linhas, tábua-tear e agulhas. Aprendi a fazer tapetes tipo Smirna. Demorava meses para produzir um apenas, mas minha mãe vendia caro. Minha mãe era a melhor vendedora que já conheci. Vendia qualquer coisa que eu produzisse e ainda aparecia sempre com encomendas. Sua morte acabou comigo.
Jamais parei. Fui esgotando paixões e as substituindo por outras cada vez mais fortes. Até que senti que poderia realizar o maior sonho de minha vida: tornar-me um escritor. Dizer que eu amava os escritores era pouco. Eu os venerava e venero até hoje. E estou nessa até hoje, já faz 11 anos e tal.
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Luiz Mendes
18/07/2011.