A Velhinha e o Chá
Recente fui contratado para participar de um bate-papo com defensores públicos em Salvador. Era uma audiência pública que comemorava 20 anos de Defensoria Pública e o início da campanha "Pelo direito ao recomeço". Claro, o assunto era prato cheio para mim. Todos, mesmo aqueles que foram presos em delitos graves como os que cometi, têm o direito ao recomeço. E todos nós somos responsáveis por isso.
Poderíamos nos organizar e ir para a Paulista protestar contra o preconceito das empresas em não nos contratar, contra a falta de oportunidades, a discriminação social e a perseguição policial. Não é assim que se esta fazendo? Cada qual com sua bandeira? Talvez fosse a hora de se fazer leis que amparem as centenas de pessoas que saem das prisões diariamente sem qualquer orientação, trabalho e até para onde ir. Quem são as vítimas dos mais de 75% que após saírem da prisão, reincidem no crime? Todos nós, evidentemente. Então talvez nos caiba engrossar as fileiras de um tal protesto, já que como prováveis vítimas, estamos visceralmente envolvidos.
Mas, voltando ao evento, após minha participação, ao final, fui abordado por um advogado que me pedia opinião sobre algo inusitado. Segundo ele, sua família havia se reunido há alguns anos atrás, cotizaram-se e compraram um sítio para seus avós, já bem idosos. Seu pai havia falecido em um desastre e ele "herdara" a parte dos cuidados com os avós que pertencia a seu pai. Os velhos não haviam conseguiam se acostumar à vida na grande metrópole. Estavam emudecidos, caídos e viviam adoecidos, particularmente dona Etelvina, a avó.
Foi chegar no sítio para que a vida de dona Etelvina voltasse a lhe sorrir. Em pouco tempo a velhinha já não reclamava das cólicas, das dores nas juntas, de nada. Estava tomando um chá de uma árvore que outros sitiantes haviam recomendado e estava ótima. Parecia milagre. Quando traziam D. Etelvina para a capital para visitar os filhos, ela passava muito mal. Doía tudo e a velhinha ficava muito estressada. Era chegar no sítio, tomar seu chazinho e pronto, a vida entrava nos conformes novamente.
Em visita ao sítio da bisavó, o filho do advogado-neto, adolescente que já estava dando trabalho para a família, gostou tanto do sítio que nem queria mais voltar para casa. E demorou. O pai conhecendo o filho, desconfiado e preocupado com os avós senis, foi ver o que estava atraindo tanto aquele "moleque". Encontrou-o jogado no sofá, "chapadão", abobalhado, totalmente entorpecido de tanto fumar maconha. As "baganas" estavam em um cinzeiro, o rapaz já estava a dias morando no sofá, só levantava para ir ao banheiro. Obvio que o pai ficou puto com o filho e o levou embora prometendo mil castigos. Mas ao procurar saber, viu que era a sua avó quem estava cultivando alguns pés da erva. Era o seu chazinho que curava todas as dores e a deixava feliz.
Assim resumidamente, essa foi a história que o advogado-neto me contou. Foi surpreendente, mas o sujeito não queria só contar, ansiava por minha opinião, qual eu fosse um especialista no assunto: O que a família deveria fazer? D. Etelvina não sabia que maconha era uma droga, nem podia imaginar e estava viciada. Cuidava dos pezinhos daquela "santa erva", com tanto carinho que até conversava com eles, ao regá-los. Ele pensara em colocar fogo, mas ficou com receio da velhinha ficar muito abalada. O que fazer, ele me perguntava. Enrolei, argumentei e à primeira chance escapei para o hotel para não ter que responder. O que fazer, como responderiam vocês?
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Luiz Mendes
08/07/2013.