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O Apartheid global

A saga do cowboy contra o camelo pode não acabar em happy end

Por Redação

em 21 de setembro de 2005

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    Para justificar a guerra no Iraque, a mídia imperial nem precisaria ter usado todo seu arsenal mitificador na campanha de saddanização de satã, ops, de Saddam. É óbvia redundância. O monstro iraquiano realizou uma vida de atrocidades míticas. Ponto pacífico. Preocupante é que sob a espuma do discurso palavroso de libertação de um povo oprimido, move-se subliminar um fluxo de imagens que falam em silêncio ao espectador médio, aquele sentado num pufe de curvim em Cincinatti, Ohio. A linguagem delas é associativa e automática, além de simplória, como a de um pesadelo coletivo. ?Olha lá. Todos são morenos. Todos têm bigode. Todos queimam bandeiras americanas. Todos soltam bombas em nome de Alá. Todos são Mohammed. Todos são Saddam e Bin Laden.?
   Esse rio subterrâneo de imagens quer lavar o cérebro e também a consciência culpada da maioria de uma sociedade que, para tentar eliminar uma ameaça discutível, decidiu eliminar milhares de vidas inocentes. Mais assustador é que a espiral de violência e paranóia contribua com uma tensão sociorracial sem precedentes. E não só de cowboys contra peões de camelo. O apartheid é global. A fronteira violenta entre o rico de pele clara e o pobre de pele escura é cada vez mais sem fronteira. Do rio Tigre ao Rio de Janeiro.


Patriotismo histérico
   Não quero me juntar ao coro de um antiamericanismo generalista.  A mitificação é de mão dupla. As críticas ao Império é que devem ser cirúrgicas, direcionadas à elite conservadora que contamina a parcela mais vulnerável da sociedade com o vírus do patriotismo histérico. Neste momento delicado da História, é bom lembrar sempre que o solo norte-americano é também fértil em raízes de um humanismo profundo. E esperar que elas aflorem com força no momento em que se desmascarar o ataque não convencional de choque e pavor desferido diariamente pelo establishment contra o próprio povo de seu país, através das armas eletrônicas de uma mídia servil.
   As duas últimas administrações norte-americanas foram marcadas por dois grandes mitos, mundialmente bombardeados pelos meios de destruição em massa, ops, pelos meios de comunicação em massa. Na Era Clinton, a palavra-chave foi Globalização. Era o mito de que, num mundo interconectado, os valores ?democráticos? da sociedade de consumo poderiam ser rapidamente levados aos quatro cantos. Na Era Bush, o mote é Terror. É o mito de que, nesse mesmo mundo interconectado, os valores ?malignos? de ideologias alienígenas poderiam rapidamente destruir a democracia e, quiçá, o mundo. São duas idéias complementares. Uma fluxo, outra refluxo. E usadas descaradamente para justificar um sionismo desmesurado, ops, um expansionismo desmesurado.


Canivetes contra o Império
   Na manhã de 12 de setembro, a idéia de que o terrorismo era uma ameaça global imediata não resistia ao cálculo mais básico. O terror é um crime tão hediondo quanto fácil de realizar. Se foi possível derrubar as Torres Gêmeas usando canivetes, qual seria a dificuldade de colocar uma bomba em qualquer McDonald?s, contaminar qualquer produto em qualquer supermercado ou matar qualquer turista americano em qualquer lugar? Esses horrores só não são cometidos em massa, até agora, porque a suposta ameaça terrorista é ? era? ? irrisória. Então façamos o cálculo. Nos EUA, 0,7% da população está hoje na cadeia. Imaginemos que 0,7% dos muçulmanos do mundo fossem terroristas. Seriam um milhão de terroristas. Só nos Estados Unidos seriam 42 mil terroristas. O mundo ainda estaria de pé?
   O suposto terrorismo global é obra de uma gangue. Não mais. Para combatê-la, o governo Bush usa aquela técnica do cara que diz ?bom, já que estou perdendo algum cabelo, vou raspar toda a cabeça?. Essa é a lógica. ?As instituições democráticas estão ameaçadas? Acabemos com elas de uma vez.? Censura branca na imprensa. Vigilância macartista nos cidadãos. ?Um Bin Laden nos atacou? Criemos mais cem.? Seria uma tática burra se não fosse mal-intencionada, já que medo sempre interessa ao poder. Mas a verdade é que, justamente por ser mal-intencionada, a doutrina Bush é profundamente burra. A idéia de civilização é inviável quando o vizinho é suspeito potencial. No tal mundo interconectado, a paranóia racista pode, ela sim, revelar-se um atentado suicida contra o planeta.
   Eu preferiria que a inevitável vocação mitificadora da mídia fosse usada a favor da paz e da justiça, lembrando simploriamente que a imagem de qualquer criança morta é a de todas as crianças mortas.

PALAVRAS-CHAVE
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