A vida tem gratíssimas surpresas também. Estava abrindo meu e-mail e vi que uma pessoa cujo nome desconhecia, mas que não me era estranho de fato, me chamava para conversar no inbox. Claro, fui lá saber porque aquele nome desconhecido não me era estranho. Quando ele falou que eu havia sido seu professor na Casa de Detenção e vi a foto dele (faz uns 20 anos), senti mais do que soube de fato que era o Alemão. Tive trocentos alunos como professor-monitor que fui, por oito anos, em várias prisões onde passei. Só na Casa de Detenção tive quatro turmas por dia; como podia lembrar? Ele respondeu que eu tinha uma baita memória. Não, não tenho. Ele se destacou muito entre todos meus alunos no pavilhão nove. Conversamos bastante, dai porque lembrar.
Enquanto conversávamos no facebook, eu ia lembrando do porque ele ficou tão indelevelmente gravado em minha memória. Ele era bastante jovem e tinha um sorriso aberto, desses claros, iluminados. E conversou comigo sobre livros, o que era raro naquelas paragens. Era encarregado da Capelania Católica e trabalhava na faxina do pavilhão nove; um destaque e tanto naquela época.
Depois de muito conversarmos, um dia ele me sugeriu que aproveitássemos o espaço da capelania, que era enorme, para passarmos filmes. O Padre era legal e nos apoiaria. Como eu era professor do telecurso pela FUNAP (órgão do Estado encarregado das escolas na prisão, na época), levava, para minhas aulas, a fita, a TV e o aparelho de VHS. A proposta era levar os aparelhos e filmes na capelania e chamar os companheiros para assistirem. Não havia nenhum movimento cultural naquele pavilhão e poderíamos inovar, causar uma agitação.
Pedi ao Aparecido e o Zé Antonio, nossos orientadores da FUNAP, autorização para o projeto. Não sói apoiaram, como nos trouxeram filmes atuais que possuíam. Começamos às terças e quintas. Fizemos cartazes, colamos nas paredes das escadarias e o Alemão (ele era loiro e bem branquinho) ficou encarregado de informar. As primeiras vezes vieram poucas pessoas, mas logo era uma multidão, cerca de 300 companheiros, em média. Eles se acotovelavam para assistir, sentados em duros bancos de madeira. Eu ficava lá com eles, mas tão impressionado com a súbita movimentação, que nem conseguia assistir direito os filmes. Era empolgante ver o que havíamos construído a partir de nossa conversa descompromissada.
Com o tempo a Pastoral Carcerária encampou nosso movimento trazendo aparelhagem, filmes, agilizando uma biblioteca e uma gibioteca no espaço recém criado, que foram o maior sucesso. Sempre que dava aulas no pavilhão nove, passava por lá para dar uma olhada e ficava emocionado ao ver a rapaziada lendo e ocupando o espaço antes vazio. E pensava que era preciso tão pouco para fazer algo significativo, apenas a vontade e o interesse pelos outros.
Alemão me informou, inbox, que havia se formado jornalista, é editor de um jornal e é o jornalista responsável de uma revista sobre carros. Afirmou que eu o inspirei naquela época e que fui um exemplo para ele. Meus olhos se encheram de lágrimas, como faz bem essas lembranças e esse tipo de informação...
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Luiz Mendes