Nik e seu Gaturro

por Cirilo Dias

Em sua passagem por São Paulo, o quadrinista argentino fala sobre o sucesso de Gaturro

Uma tirinha com um gato amarelo que destila o tempo todo piadas carregadas de ironia. Se a primeira imagem que veio na cabeça foi Garfield, saiba que a única semelhança entre o personagem de Jim Davis e Gaturro, do argentino Nik, é apenas a figura do felino. “Eu gosto do Garfield, mas nunca fui um grande leitor de sua tira porque acho que representa um modo de vida muito americano. E meu sonho foi sempre representar o estilo latinoamericano de viver”, explica o quadrinista argentino.

Divulgado na imprensa como “a nova sensação do quadrinho na Argentina”, Cristian Dzwonik, o Nik, não é tão novo assim no universo das tirinhas. O argentino teve seu primeiro desenho publicado quando tinha 17 anos, na revista Muy Interessante (a versão argentina da revista Super Interessante), e aos 21 começou a trabalhar como humorista gráfico no periódico La Nácion. Hoje, aos 38 anos, Nik ainda se surpreende com o sucesso que seu Gaturro tem feito, “nunca imaginei que meus personagens chegariam a ter tanta transcendência, ou cruzar as fronteiras do meu país. Hoje Gaturro, além de Argentina e Brasil, é publicado em quase toda a América Latina, em jornais hispanos nos Estados Unidos, na Espanha, França e até já foi traduzido para o mandarim”, diz Nik, que esteve no Brasil para o lançamento de seu novo livro Gaturro Grandão, e aproveitou para conversar com a Trip.

Por que em suas tirinhas muitas situações irônicas são camufladas pela ingenuidade dos personagens?
Em Gaturro convivem a ingenuidade, a ironia, a sátira. Não é algo deliberado, simplesmente é a tirinha que gostaria de ler como adulto e que teria gostado de ler quando garoto. Nas tirinhas gosto de ser claro, direto, mas também com uma dose de poesia ou alegoria necessária para o gênero. Sou um fã de quadrinhos e adoro contar histórias através da imagem, da tinta no papel, e isso requer um equilíbrio entre a ternura e a acidez própria do humor gráfico.

Quais quadrinistas e ilustradores brasileiros você conhece?
Gosto muito de Laerte, Angeli, Glauco e Fernando Gonsales. Também sou um grande admirador da obra de Ziraldo, que acaba de receber o Prêmio Iberoamericano de Humor Gráfico Quevedos. Fiquei muito feliz em conhecê-lo pessoalmente e também de participar das homenagens a este grande mestre promovidas pelo Instituto Cervantes. Acho muito interessante a obra de Maurício de Sousa, especialmente a forma como ergueu uma indústria do quadrinho.

Como foi que surgiu a ideia do Gaturro?
Sempre fui alucinado por gatos. Quando criança tinha uma gata em casa e gostava de sua maneira de se movimentar, de se mostrar, de pensar. Gosto, em geral, da participação “humanizada” dos animais nas histórias em quadrinhos. Acho que visualmente são muito atrativos e com características bem personalizadas, ingredientes fundamentais para criar uma tirinha. Além disso, sempre gostei muito de humor político, gênero que prático desde os 21 anos no jornal La Nación. No meu país, a palavra “gato” se refere à peruca, ao agregado capilar que se coloca na cabeça das pessoas com pouco cabelo. E como tivemos alguns presidentes com essas características —como [o ex-presidente argentino] Menem, por exemplo—, comecei a desenhar “gaturros” nas charges políticas.

 

 

Você consegue explicar o motivo das pessoas se identificarem tanto com o Gaturro?
Depois de vários anos, acho que os leitores sentem uma grande identificação com o personagem. Acho que é o animal de estimação que eles gostariam de ter em suas casas. É apegado à família, sociável, simpático... um anjo e um diabinho ao mesmo tempo. Também é um personagem moderno, que trata dos temas e tendências dos últimos anos. Em Gaturro, todos os temas estão presentes: as relações humanas, a moda, a família, a tecnologia, enfim, tudo o que acontece na vida de um garoto, de um pai, de uma mãe ou de um adulto jovem. Para fazer Gaturro não há uma fórmula, simplesmente, como disse antes, trato de desenhar a tira que gostaria de ver como leitor.

Com a agitação política da Argentina, fica fácil encontrar temas para suas tirinhas?

Sim, viver em um país com a Argentina é uma vantagem para encontrar temas (e uma desvantagem para viver tranquilamente e em paz). Todos os dias tenho dezenas de temas para fazer humor, e as pessoas consomem muito as charges políticas e também as tiras de costume como Gaturro.

Você desenha o Gaturro pensando em qual público? Crianças ou adultos?
Não penso especificamente em crianças ou adultos. Acho que há um estilo de humor que pode ser seguido por um garoto ou por uma pessoa mais velha. Acho que há humor bom e humor ruim. E quando uma tira é divertida, coerente, clara, pode ser entendida e desfrutada por todas as idades. Meu sonho sempre foi fazer um tira multitarget, para todos, sem exceções.

Ele tem um “quê” da ironia Garfield? Não?

Bom, devo dizer que a personalidade de Gaturro é quase oposta a de Garfield, apesar de que, figurativamente, ambos são gatos e, por isso, têm coisas em comum. Eu gosto do Garfield, mas nunca fui um grande leitor de sua tira porque acho que representa um modo de vida muito americano. E meu sonho foi sempre representar o estilo latinoamericano de viver. Me reconheço como um grande leitor de Mafalda, do trabalho de Ziraldo e também de geniais tiras americanas como Peanuts, Calvin & Haroldo, The far side, de Gary Larson. Também sou fã de Tintin, Asterix, enfim, influências variadas.

Em que você se inspira para suas tirinhas?
Como disse antes, quero representar o estilo de vida latinoamericano, então minha inspiração vem do cotidiano, das situações que observo, da vida em família e da minha própria vida também. Há algo em Gaturro que tirei de minha própria experiência. Quanto às influências, além das que já citei, acrescento geniais desenhistas argentinos como Quino, Fontanarrosa, Landru, Divito, Breccia, Altuna, Sabat, Nine, Ferro, Garaucochea, Cascioli, Crist. E também Dante Quinterno e Garcia Ferre que foram uma espécie de Maurício de Sousa argentino. A escola argentina de quadrinhos e desenho felizmente é muito grande e muito variada em toda sua história.

Uma curiosidade: porque os personagens terminam com “urro”? Gaturro, cãoturro...?

Porque é uma terminação ou uma rima pouco comum em meu país. É raro encontrar palavras terminadas em “urro”, e soa muito engraçado para mim. Quando criei o nome, me pareceu cacofonicamente divertido misturar gato com “urro” e criar uma palavra nova como “Gaturro”, que é única e irrepetível. Se buscar “Gaturro” no Google todas as referências que surgem farão menção ao personagem, não existe no mundo outra coisa que se chame “Gaturro”.

Quando foi que você percebeu que poderia viver apenas de seus desenhos?

Felizmente, desde muito pequeno, estava claro que queria viver disso, e por isso me empenhei muito para desenvolver histórias e personagens. Aos 6 e 7 anos, já criava meus próprios personagens, aos 14, publiquei meu primeiro desenho e a partir dos 17 comecei a trabalhar profissionalmente como humorista gráfico. E a partir daí nunca mais parei. Meu sonho foi sempre ser desenhista de quadrinhos, mas nunca imaginei que meus personagens chegariam a ter tanta transcendência, ou cruzar as fronteiras do meu país. Hoje Gaturro, além de Argentina e Brasil, é publicado em quase toda a América Latina, em jornais hispanos nos Estados Unidos, na Espanha, França e até já foi traduzido para o mandarim.

Como você definiria o caos visual de São Paulo, com grafites e pixações, em três palavras?

Gostei realmente de São Paulo. Adoro cidades cosmopolitas, com muita vida e muita atividade. É uma cidade que não para, onde tudo acontece: trabalho, cultura, turismo, gastronomia... tudo que uma grande cidade pede. Por isso definiria como um “caos muito interessante”.

 

 

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