por Luiz Alberto Mendes

Ao sair da prisão, fui para um quartinho no fundo da casa da minha mãe, na periferia da periferia de São Paulo, onde o crime se impõe

Quando saí da prisão, a namorada me fez pensar que sua casa seria meu lar. Havia a casa que fora de minha mãe quando ela estava viva, mas agora ali habitavam meus filhos e a mãe deles, de quem eu estava separado. A namorada, na casa em que fui morar, virou amiga e acabou o romance. Vim para um humilde quartinho ao fundo da casa que fora de minha mãe. O bairro era na periferia de Embu das Artes, que é cidade periférica de São Paulo. Ou seja: periferia da periferia da cidade grande. Além de ser muito longe do centro de São Paulo, estava minado para mim. O crime estava representado e, com meu passado, podia ser confundido. Mesmo assim, não havia alternativas; eu sempre fui pobre. Aliás, há quem afirme que o fato de eu viver com parcos recursos e resistir ao crime é que valoriza meu esforço em me manter na legalidade. A vantagem é que estaria próximo a meus filhos.

Economizando, me privando até de sair à noite, aos poucos consegui o capital para construir um quarto espaçoso. De quebra ainda construí um outro quarto para meus meninos. Minha vida melhorou, eu já podia até levar amigos em casa. Vivi ali cerca de oito anos. Era o lar que eu construíra com meu esforço pessoal. Uma casa adaptada para um escritor.
Alguns vizinhos não me agradavam. Cuidavam demais da vida alheia. O bairro era pobre, não havia alternativas ou qualquer tipo de recreação, os jovens eram cooptados pelo crime normalmente. Não havia futuro para quem ficasse. Todos que encontravam novos caminhos, mudavam assim que podiam. Os que ficavam se condenavam à prisão ou à morte nas mãos da letal polícia do Estado. Os rapazes que conseguiam permanecer na legalidade ficavam bebendo nos bares e as meninas pariam filhos. Era triste, sombrio, mas, pelo menos, eu não pagava aluguel e via meus filhos todos os dias. Eles então cresceram e se afastaram para viver suas próprias vidas. Fui ficando muito sozinho, bebendo e procurando companhia nos bares, minimizando minha vida, como todos.

Quando a mãe da namorada atual faleceu, vim para sua casa por uns tempos, para dividir a perda com ela. Era um bairro de classe média baixa na zona norte de São Paulo. A casa era grande e bem organizada. A namorada virou companheira e, aos poucos, vim me mudando para cá. Já faz mais de dois anos. Tenho meu escritório com meus computadores, meus livros e a tralha de escritor. Moramos eu, ela e o seu padrasto, um velhinho de 80 anos.

QUERO SOSSEGO

Ano passado fiquei muito doente, com pneumonia e outros bichos. A companheira cuidou de mim com desvelo. Isso fez com que me sentisse em casa. Caso estivesse em minha casa no Embu, nem sei o que aconteceria. Não havia quem cuidasse de mim. Ficaria jogado na cama e correria risco de morte. Nos exames clínicos apareceram outras doenças piores ainda. Continuo fazendo novos exames. Ontem fiz a tomografia computadorizada de novo. Vou fazer cintilografia e novos exames de sangue esta semana. A minha situação de saúde é crítica, mas não precária. Vou me tratando e sendo cuidado com carinho.

A vida segue exigindo atenção redobrada, continuo no esforço de sobreviver que nunca cessou, mesmo depois que saí da prisão. Hoje tenho um lar, um refúgio, uma companheira que cuida de mim e alguns amigos sinceros. Nunca foi fácil, desde que nasci; não seria agora que iria mudar. Estou acostumado e encontro sentido de viver até nas dificuldades ou no sofrimento.

Posso temer a dor que possa me causar a proximidade da morte, mas não tenho medo de morrer. Só lamento pelos que me amam e possam sofrer pela minha ausência. É triste pensar que vou fazer falta. De resto, vou descansar de toda essa angústia, essa luta encarniçada que tem sido viver. A constante falta de capital; essas preocupações de não saber como levar os filhos; entregar textos no prazo; a dificuldade de oferecer o melhor de mim aos outros; de não saber lidar com as pessoas e essa canseira toda. Não lamento; nunca tive tranquilidade, espero sossegar, apaziguar meu espírito e encontrar um lar verdadeiro.

*Luiz Alberto Mendes, 63, é autor de Memórias de um sobrevivente (Companhia das Letras). Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com

Créditos

Ilana Besler

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