Do rap ao jazz, quatro discos criados por artistas em períodos de isolamento
Transa (1971), Caetano Veloso
Caetano deixou o próprio país contra sua vontade, permanecendo no exílio entre 1969, ano em que foi perseguido e preso pela ditadura militar brasileira, e 1971, quando lançou o disco que seria um símbolo de sua produção no exílio e um dos mais inventivos de sua carreira, marcado pela liberdade criativa. Transa é resultado do encontro com outras mentes inquietas e também alienadas da nação pela repressão, como Jards Macalé – que não foi creditado, mas fez arranjos para o disco –, Jorge Mautner e o poeta Waly Salomão, entre outros. Entre as características marcantes do discos estão suas letras existenciais. Quem aí na quarentena não está tendo tempo de pensar sobre si mesmo?
Exilado sim, preso não (2005), Dexter
Em 2005, Dexter estava em seu sétimo ano de reclusão, da pena de mais de 52 anos que tinha recebido, condenado por seis assaltos e um homicídio. Nas rimas, ele começava, ainda dentro do cárcere, a olhar para fora. No lugar dos versos focados nas mazelas do presídio, surgiam pensamentos sobre a sociedade. Se sua carreira tinha estourado em 2000 em parceria com Afro-X no grupo 509-E, cinco anos depois era hora de voar sozinho e Dexter fez de seu primeiro disco solo o melhor trabalho de sua carreira, com participações de peso do rap nacional: Mano Brown, em "Eu sô função", GOG, em "Salve-se quem puder", MV Bill, em "Me faça forte". Com tanta gente junto, ele mostrava que o título do álbum era de fato uma realidade. Como em tempos de coronavírus, nem sempre é preciso estar junto para caminhar lado a lado.
For Emma, Forever Ago (2008), Bon Iver
Depois do fim de sua banda, do término de um relacionamento e de contrair uma mononucleose, Justin Vernon se isolou em uma cabana remota de seu pai, em Wisconsin (Estados Unidos). Durante quatro meses do inverno de 2006, ele escreveu e gravou as músicas de For Emma, Forever Ago. Intimista, o álbum traduz todo seu isolamento e as temperaturas baixas — nesta sua estreia solo, ele adotou o pseudônimo de Bon Iver, uma corruptela de "bon hiver", ou "bom inverno", em francês. O disco ganhou um lugar nas principais listas dos melhores álbuns de 2008, foi consagrado na cena indie e folk e abriu os caminhos de Justin na música. Nos anos seguintes, ele assinou colaborações com Kanye West e levou Grammys para casa, mas For Emma, Forever Ago segue como seu melhor trabalho.
Créditos
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A música é e sempre foi uma grande companhia na busca diária para preencher nossos dias. Assim tem sido também na rotina da Trip e acreditamos que não tem jeito melhor de quarentenar do que ouvindo um som. Pensando nisso, reunimos discos que vão do rap ao jazz e, em comum, têm o fato de terem sido criados na solitude, por artistas que, por motivos variados, estavam isolados enquanto produziam esses trabalhos. Pela ordem cronológica: A Love Supreme, de John Coltrane; Transa, de Caetano Veloso; Exilado sim, preso não, de Dexter; e For Emma, Forever Ago, de Bon Iver. Embarque nessa viagem e dê o play antes de ler.
A Love Supreme (1964), John Coltrane
Em 1964, durante cinco dias, John Coltrane se isolou com caneta, papel e saxofone no andar de cima de seu sobrado, em Long Island, Nova York. "... De vez em quando, ele vinha pegar um pouco de comida e passava o tempo meditando sobre a música que ouvia dentro de si", lembra sua mulher, a pianista Alice Coltrane, no livro homônimo sobre o álbum, escrito por Ashley Kahn. Quando ele reapareceu dez vez, ela notou que o músico estava especialmente sereno. "Esta é a primeira vez em que me veio toda a música que quero gravar. Pela primeira vez, tenho tudo, tudo pronto", disse Coltrane. No mesmo ano, o saxofonista gravou, na companhia do pianista McCoy Tyner, do contrabaixista Jimmy Garrison e do baterista Elvin Jones, A Love Supreme, um dos álbuns mais importantes da história do jazz.