Monstros de Tóquio

por Redação

Hollywood se rende aos filmes de terror japoneses

POR BRUNA BITTENCOURT

Maldições, profecias, espíritos, manifestações obscuras. Há pouco mais de dois anos, Hollywood vem descobrindo o cinema de terror japonês, que já rendeu para as telas americanas uma lista significativa de remakes. O Chamado e O Grito, dois expoentes do gênero, já têm até continuações. Aos poucos, a indústria cinematográfica americana substituiu os títulos de suspense adolescentes, protagonizados por serial killers e garotas indefesas, pelas adaptações nipônicas. No lugar do elenco original japonês, atores americanos – já que a resistência dos ianques a filmes legendados ainda é grande – e roteiros que não costumam se afastar de seus originais.

Se diretores japoneses como Akira Kurosawa (Sonhos e Ran) e Takeshi Kitano (Dolls, Zatôichi) conquistaram a crítica e festivais internacionais com seu cinema mais voltado à plasticidade, nomes como Hideo Nakata e Takashi Shimizu seduziram Hollywood com seus títulos de terror calcados em temas sobrenaturais.

Baseado em uma série de livros de Koji Suzuki, uma espécie de Stephen King do Japão, Ringu (1998), do já citado Hideo Nakata, foi o primeiro filme japonês a ganhar adaptação americana: O Chamado (The Ring) foi refilmado em 2002. O longa de Gore Verbinsky (o mesmo da seqüência Piratas no Caribe) é uma adaptação fiel do original, que traz a história da fita de vídeo que dá sete dias de vida para aqueles que a assistirem. O sucesso de O Chamado abriu caminho para outras adaptações e Nakata acabou substituindo Verbinsky na direção de O Chamado 2 (2005), remake americano de Ringu 2 (1999). Ringu é uma das maiores bilheterias do cinema japonês e já rendeu, além de duas seqüências, um mangá e uma série de TV no país.

Em 2004, estreava nos cinemas americanos O Grito (The Grudge), de Takashi Shimizu, refilmagem de Ju-on (2000), primeiro episódio da trilogia do mesmo diretor. Com produção de Sam Raimi (diretor de O Homem Aranha), O Grito também preferiu manter-se fiel ao original japonês: estudante tenta desvendar a maldição de uma casa em Tóquio. Sua seqüência, que também será dirigida por Takashi, está em fase de produção, assim como o remake do chinês Jian gui (2002), The Eye. O filme também será dirigido por Nakata, que, no Japão, assina os créditos de direção de mais de dez filmes do gênero, entre eles a versão original de Água Negra. O remake do filme, que estreou este ano nos EUA, é primeira direção de Walter Salles em Hollywood.

"É necessário falar do novo cinema de gênero que diretores como Kiyoshi Kurosawa [de Cure, filme de 1997, considerado pela crítica como uma renovação no gênero terror psicológico] ou Nakata inauguraram no Japão. Ao contrário do cinema de gênero feito hoje nos EUA, não há no japonês uma divisão do mundo entre o bem e o mal. Os demônios ou os fantasmas pertencem aos personagens, não são exteriores à trama. Não há, também, a heroificação do personagem principal. Existe a possibilidade da derrota, da perda", disse Walter Salles em entrevista à Folha de S.Paulo. "Talvez as diferenças maiores entre os dois filmes estejam no abismo cultural existente entre o Japão e os Estados Unidos. Ugetsu Monogatari, do mestre Mizoguchi, ou Depois da Vida, de Kore-Eda, mostram o quanto a vida após a morte é um tema presente na cultura japonesa. Na cultura norte-americana marcada pelo protestantismo, não. Um fantasma em um filme japonês pode ter uma longa conversa com sua filha, como acontece no belo final do filme de Nakata. Nos EUA, isso seria inconcebível. Se a vizinha vê, chama o FBI", completa o diretor sobre as diferenças culturais dos dois países.

Água Negra tem entre seus produtores o americano Roy Lee, que, ao lado de Doug Davinson, fundou a Vertigo Entertainment, empresa que se especializou em vender os direitos de filmagens de filmes asiáticos para estúdios americanos. Lee também é produtor de O Chamado, O Grito, além das seqüências dos dois filmes. E o futuro da Vertigo parece promissor. O Chamado ficou oito semanas entre os dez filmes mais assistidos e faturou no período US$ 123, 312,326*. O Grito ficou cinco semanas na mesma lista e rendeu no período US$ 104,422, 638*, números bastante expressivos para Hollywood.

É difícil precisar o quanto Hollywood ainda usufruirá dos filmes de terror japoneses. O cinema europeu, assim como os roteiros inspirados em HQs, já rendeu (e ainda rende) um bom punhado de títulos. Inevitavelmente, a febre de remakes nipônicos contribuiu para que uma boa parte do público americano, em sua grande parte avessa a títulos estrangeiros, tomasse contato com o cinema japonês, além de fazer com que seus originais ultrapassem as fronteiras do país – via DVD, ao menos.

* Bilheterias segundo o site Internet Movie Database (www.imdb.com)

fechar