Por Redação
em 21 de setembro de 2005
Vou tomar emprestados o imediatismo e a busca de impacto que tanto caracterizam a própria moda e a própria mídia para arriscar aqui esta equação rápida e rasteira: mídia é moda. É cada vez mais intensa a simbiose entre a passarela e o espaço público das comunicações. No último São Paulo Fashion Week, uma imagem resumiu bem esse processo. Quem não viu Gisele Bündchen, nossa atual primeira-dama, vestindo uma espécie de terno de presidente da República sob o olhar auspicioso de Marisa da Silva, nosso atual modelo de mulher?
É provável que um desfile do São Paulo Fashion Week atraia hoje mais câmeras que uma coletiva presidencial. E isso já não deveria chocar os meritocratas mais conservadores porque, organizado por uma equipe pra lá de competente, o SPFW é um movimento que está alçando a moda nacional à condição de manifestação da cultura popular. Não estou falando de um possível côté quermesse do evento. Deixo isso para as más línguas que, na moda, não estão exatamente em falta. O que me surpreende mesmo é a repercussão direta ou mediada que o SPFW tem na população. E não só na população de classe média. E não só na população feminina. Gostem ou não, as tendências comportamentais catalisadas pelo SPFW exercem sobre certo ‘cidadão comum’ um impacto maior que muito maracatu, inclusive os atômicos. Chamem o Hermano Vianna. Com uma influência comparável à de outros importantes movimentos urbanos contemporâneos, como o hip hop, por exemplo, a Festa da Moda é um fenômeno que precisa ser estudado com mais profundidade.
Outro factóide que chamou bastante atenção no último SPFW foi a imagem de uma camiseta que mostrava o George Bush com um nariz de palhaço.
Saiu em jornais do mundo inteiro. Claro que não vou nem arriscar uma análise ‘intramodas’ sobre o assunto. Daria para ver oportunismo, daria para achar que moda é uma questão de estilo e não de primeira página do jornal. Daria para achar muita coisa. Em última instância daria até para achar que não pode haver nada mais cafona do que querer ‘estar na moda’. E eu imagino que os melhores estilistas brasileiros iam até concordar. Mas eu não acho nada disso. Chamem a Regina Guerreiro, que ela é maravilhosa. O que interessa a esta coluna é, sempre, a mídia.No fim das contas, moda e mídia trabalham com os mesmos elementos. Lidam com as mesmas emoções. Atingem o espectador como poucas instâncias culturais conseguem atingir. Ambas apontam suas antenas para o aqui-agora coletivo, à procura de ícones instantâneos mas nem por isso menos eternos-enquanto-durem. Ambas escavam o terreiro das mitologias contemporâneas, sondando suas camadas mais imediatas mas nem por isso menos profundas. Ambas se apropriam dos movimentos públicos e os devolvem quase que imediatamente ao próprio público, numa dialética pouco pensada mas nem por isso menos reflexiva.
As imagens da presidente Bündchen ou do palhaço Bush produzem um tipo de metáfora que até agora estávamos acostumados a ver apenas em outra passarela, a do samba. São alegorias. Sim, talvez estejamos carnavalizando a moda, mas antes que queiramos nos gabar desse feito, com arroubos nacionalistas, ou antes que queiramos nos envergonhar dele, com muxoxos colonizados, é bom lembrar que a mídia consegue diariamente uma façanha bem maior. Ela carnavaliza a realidade.
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