Mítia – Radioatividade
Por Redação
em 21 de setembro de 2005
‘ANTENAS EM FORMA DE CRUCIFIXO CAUSAM CÂNCER’. Teria sido este o título da matéria, se ela tivesse sido vista na primeira página do Notícias Populares ou de um outro tablóide qualquer. Mas não foi. Ela foi vista no Jornal Nacional. E como o tom do Jornal Nacional deve ser diferente do de um tablóide, a notícia foi narrada com menos sensacionalismo. Um pouco menos. Era o seguinte: as antenas que causariam câncer pertencem à Rádio Vaticano. São estruturas metálicas imensas, em forma de cruz, fincadas na sede mundial da Igreja Católica. Elas emitem as microondas mais potentes do planeta.
Nem todo mundo sabe que praticamente não existe diferença entre as microondas de rádio e as de forno. A qualidade é a mesma. A radiação de uma e outra atinge os tecidos orgânicos de maneira que, dependendo da proximidade e tempo de exposição, uma antena de rádio também teria a capacidade de assar um bife ou de explodir um grão de pipoca.
Como sugeriu o programa da Globo, o resultado para os habitantes da região italiana que circunda as antenas do Vaticano é que todos têm pelo menos um membro da família que já descobriu no próprio corpo alguma forma de tumor maligno. ANTENAS-CRUCIFIXO DÃO CÂNCER. Óbvio que é assustador. Eu não conseguiria imaginar cena mais delirante nem que tivessem me dado um ácido do tamanho de uma hóstia. A bad trip cyber-barroca que a TV mostrou era de assustar roteirista dos X-Men. A imagem destas antenas é ululante. Não quero ver nela uma materialização fantasmagórica ou uma alegoria triste das relações quase sempre incestuosas entre as duas maiores religiões do ocidente, o paganismo da mídia e o profetismo cristão. Mas admito que o meu raciocínio opera numa semiótica primitiva não muito diferente da simbologia rastaquera de um tablóide. Por isso, vejo mesmo as antenas cancerígenas como um mal presságio, o alarme de um excesso.
CELULAR DÁ CÂNCER
Vou tentar não cair na tentação de dedicar mais um artigo inteiro às relações entre a religião tradicional e a religião midiática. Vou tentar não cair na tentação de achar que as mais de cem horas semanais de pregação na TV aberta aproveitam a debilidade das instituições sociais do país para transformar o templo da mídia num mercado lucrativo para os vendilhões da salvação. A preocupação deste artigo não é o excesso de cruz nas antenas. É só o excesso de antenas. Ainda é pequena, mas crescente, a consciência de que as novas tecnologias que fabricam a comunicação estão gerando uma poluição invisível que pode ser prejudicial à saúde. O que era antes só conversa de paranóico está virando realidade científica. O ar das grandes cidades está infestado de radiação e a verdade é que os médicos ainda não sabem exatamente quais são os efeitos de longo prazo no corpo humano.
De Harvard à Universidade Federal da Paraíba, já não é pequeno o número de teses que relacionam a emissão de poluentes eletromagnéticos à incidência de doenças, inclusive tumores. Apesar disto, o telefone celular, por exemplo, é uma fonte de radiação na freqüência de 2,5GHZ que voluntariamente encostamos no cérebro todos os dias em vez de usar o fone de ouvido. É hoje uma cena tão natural quanto era, há alguns anos, a de um jogador de futebol fumando no intervalo da partida ou a de uma grávida dando suas tragadas a caminho do maternidade. Alguns órgãos da mídia responsável, que inclui a BBC, o New York Times e Carta Capital, já estão dedicando a atenção que o assunto merece. A revista brasileira, numa boa matéria recente, cita um estudo realizado com ratos pelos engenheiros paraibanos Mohit Gheyi e Marcelo Alencar que demonstra que o uso excessivo de celular prejudica a fertilidade, dificulta aprendizado, desidrata e altera o comportamento.
CUBATÃO ELETRÔNICA
A radiação não se restringe a aparelhos pessoais como o próprio celular ou o forno de microondas. A emissão massiva de poluentes pelos grandes conglomerados de comunicação é um fato. Quem por exemplo convive com a região coalhada de antenas da Avenida Paulista em São Paulo sente isto quase na pele. Apesar de ser vendida pela própria mídia como paradigma da modernidade possível para o país, a região da Paulista é uma Cubatão eletrônica onde todas as freqüências se misturam e que não está sujeita a nenhum orgão de saúde pública que controle os níveis de concentração de poluentes. Agora, que fique claro, ninguém aqui está pedindo a redução dos veículos pessoais ou públicos de mídia. Quem acha que o homem vai inibir minimamente o seu instinto de criar redes pode tirar o cavalinho da chuva de ondas eletromagnéticas. A comunicação é um dos impulsos vitais do ser humano. Tem que haver o mais amplo espaço garantido, mas é preciso cuidar para que seja realizada dentro de padrões saudáveis. Pouca gente está dando atenção a isso. Não é porque a poluição eletrônica é invisível que devemos fechar os olhos para ela.
LEIA TAMBÉM
MAIS LIDAS
-
Trip
Bruce Springsteen “mata o pai” e vai ao cinema
-
Trip
O que a cannabis pode fazer pelo Alzheimer?
-
Trip
5 artistas que o brasileiro ama odiar
-
Trip
Entrevista com Rodrigo Pimentel nas Páginas Negras
-
Trip
A ressurreição de Grilo
-
Trip
Um dedo de discórdia
-
Trip
A primeira entrevista do traficante Marcinho VP em Bangu