Mítia: Pergunte ao pó
Num mundo de torres destruídas e terrorismo bacteriológico, nosso colunista midiático não encontra respostas - mas questões
Por Redação
em 21 de setembro de 2005
É um assunto usado e abusado, mas ainda inevitável. Quase tudo já foi dito sobre o ataque às torres gêmeas e o conseqüente desmoronamento da mais anti-séptica
das ilusões: a ilusão de que pode existir alguma Ordem Mundial. Ainda mais intensa que a guerra contra o terrorismo é a guerra de informações sobre ela. Essa, sim, é que já é, desde o primeiro instante, uma guerra mundial. No meio desse fogo cruzado, confesso que não tenho muita coisa a dizer. Só tenho perguntas. Cada informação que recebi nestes dias gerou pelo menos uma pergunta. No calor burro ou mal-intencionado de uma guerra de notícias, o que prevalece é aquela máxima dos anos 60: ‘Quem não está confuso, está mal informado’.
A informação: Dez pessoas armadas com canivetes provam que é possível derrubar o World Trade Center, símbolo máximo do poderio econômico norte-americano. Cinco outras pessoas provam que é possível destruir um quinto do Pentágono, símbolo máximo do poderio militar dos EUA. A pergunta: A partir de agora, o que não é possível?
A informação: O governo americano diz que os terroristas eram todos solteiros e religiosos. Alguns deles foram a um inferninho na véspera e disseram acreditar que depois do atentado iriam para um paraíso cheio de virgens. A pergunta: Será que eles fizeram a guerra por quererem fazer amor?
A informação: Numa declaração gravada, Osama bin Laden diz que foi Alá quem guiou os seqüestradores no atentado contra ‘o símbolo mundial moderno do paganismo, a América’. A pergunta: Alá esqueceu de avisar que, depois dos norte-americanos, o maior número de vítimas desse atentado seria de paquistaneses muçulmanos?
A informação: Em mais um episódio de uma já tradicional campanha de satanização, a mídia ocidental passa a realizar um bombardeio diário de sons e imagens que visam aprovar de uma vez por todas que os países muçulmanos são antros sujos e retrógrados, onde os direitos democráticos mais básicos, como a igualdade entre homens e mulheres, não podem existir. A pergunta: Por que será que vários países islâmicos já tiveram, e os Estados Unidos ainda estão tão longe de ter, uma chefe de governo mulher?
A informação: Em mais um episódio da já tradicional joint venture entre Cinema e Forças Armadas dos EUA, o Pentágono convoca ‘os melhores roteiristas de Hollywood para prever futuros ataques terroristas’. A pergunta: Não teria sido mais eficiente ter chamado os piores roteiristas?
A informação: Terroristas enviam antraz para funcionários da mídia. A clara intenção não é contaminar o funcionário, mas a mídia. A mídia fala em guerra bacteriológica e epidemiológica. A pergunta: Quem fala da guerra epidemidiológica?
A informação: Ficou provado que não se pega antraz dos outros. A pergunta: E medo?
A informação: De um lado, o presidente Bush atinge recordes de popularidade, o mundo esquece sua renúncia ao Protocolo de Kyoto e ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear, a mídia se autocensura e a maior democracia do Ocidente se transforma num Estado policial sem oposição. Do outro lado, o Oriente Médio se polariza, o fundamentalismo ganha a cada dia um número maior e mais ruidoso de adeptos e Osama bin Laden se transforma num mártir, sem morrer. Ainda assim, cada lado insiste que é inimigo do outro. A pergunta: Com um inimigo assim, quem precisa de amigo?
A informação: Um articulista do jornal The New York Times lembra que a verdade é a primeira vítima de uma guerra. Esquece de lembrar que, na eterna guerra de informação da Era da Mídia, muito anterior ao dia 11 de setembro, as verdades já morreram faz tempo. A pergunta: As reflexões urgentes provocadas por essa guerra poderão ressuscitar alguma verdade?
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