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Mítia – Eu, na CARAS?

Por Redação

em 21 de setembro de 2005

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eu, na CARAS?
‘A verdadeira cultura é inacessível ao grande público. A cultura da massa é a da semi-informação’. Essa máxima moral foi escrita pelo pensador alemão Theodor Adorno, ícone quase divino de uma boa parte da intelectualidade acadêmica brasileira. E antes que alguém ainda mais mal-humorado que o próprio Adorno venha achar absurdo citá-lo na TRIP, deixa eu contar onde li a frase.

Foi na revista Caras. Lá mesmo, abrindo a página de citações, talvez entre uma matéria sobre a última lipo da Adriane e uma reportagem sobre o lançamento do último livro da Narcisa. Ou será que a última lipo era a da Narcisa e o último livro era o da Adriane? Não lembro bem. Como não sou nenhum Adorno e não acredito que exista uma ‘verdadeira cultura’ em detrimento de uma ‘falsa’, vou evitar julgamentos de valor moral. Acho a Caras muito interessante. Não dá pra não achar interessante uma publicação que mistura Adorno e Vera Loyola, Carlos Heitor Cony e Otávio Mesquita, Einstein e Carla Perez.

Uma vez, quase aceitei participar de uma matéria da revista. Eu apareceria andando a cavalo num bosque bucólico e ao lado de uma colega video-artista inglesa famosa. Titubeei um pouco e acabei não aceitando. Devo levar para o túmulo um enorme arrependimento, sobretudo porque nunca saberei que título eles dariam a uma reportagem dessas. ‘A arte contemporânea da cavalgada’? ‘Modernos vão ao bosque’? Quero deixar claro que minha recusa não foi por motivo ideológico porque, como já disse, até admiro a Caras. É disparado um dos veículos mais eficientes do mercado nacional e realiza, como poucos, aquilo a que se propõe. O motivo foi bem mais simples: vergonha. Só isso.

APAREÇO, LOGO EXISTO
Tenho uma reação fóbica ao enfrentar qualquer câmera fotográfica e a máscara que visto acaba me pesando pelo resto do dia. Além disso, me senti constrangido, de antemão, imaginando que parentes e amigos me veriam naquela situação. Achei melhor poupá-los. Confesso que em alucinações íntimas imaginei que a minha recusa seria vista como um ato heróico. Dentro da cachola imodesta, fantasiei as reações dos amigos: ‘Taí um homem que não se vende! Finalmente alguém que não faz tudo para aparecer’. Sonhei com unanimidades mas, ledo engano. Na era midiática a finalidade máxima da existência é aparecer. Para muitos, minha decisão foi quase que uma ofensa pessoal. Como é que eu ousei recusar um convite de Caras?!! Que atitude mais antiga…. E um amigo maquiador, maravilhoso, resumiu: ‘Bicha, você tá pensando que é o Chico Buarque?’

É inevitável que às vezes eu fique com muitas saudades da ‘verdadeira cultura’, mesmo sem acreditar que ela exista. Apesar disto, não me incluo entre os beatos que apontam o dedo moral na cara de quem opta por vender a imagem do corpinho para participar do círculo vicioso e viciante da vida midiatizada. Tenho dezenas de amigos, pessoas muito queridas e inteligentes, que se entregam passiva ou ativamente às páginas de Caras, e a maior parte deles parece ter bastante lucidez em relação ao jogo que está jogando.

FAST FOOD DO ESPÍRITO
No sistema em que vivemos, Caras é poder. É um órgão oficial de partido. E, além de ser uma publicação, também é uma técnica de meditação transcendental. Afinal, é um formidável veículo de esvaziar a mente. Caras é um buraco negro repleto de estrelas. São páginas e páginas de um vazio profundo, que suga e alivia a atenção do leitor. São páginas e páginas de nada. Cantoras de axé em banho-espuma, esposas de piloto de Fórmula Indy no teleférico de Poços de Caldas, centroavantes do Vasco no Iate Clube de Monte Carlo, publicitários confiantes na sala de estar… ou seja, nada. É um excesso de nada. Um nada irresistível. E irresistível não só para perua ociosa. Faz um teste. Solta uma Caras na mesinha-de-centro de um ambiente bem intelectual e coloca do lado uma edição de O Ser e o Nada do Sartre. Aposto uma carteira Louis Vuitton que a Caras vai ser muito mais lida e comentada.
É que a revista também tem seu coté existencialista. Sua fórmula mágica gera um processo de teatro do absurdo típico da era midiática. Nele, os fatos de mídia querem dar sentido aos fatos da vida. O transe catártico em que o leitor cai, ao entrar em contato com imagens da vida íntima do Clodovil, era antigamente proporcionado pelas diferentes formas de arte ou religião. Hoje é proporcionado, sobretudo, pelas diferentes formas de mídia. O fast food para o espírito não vem só da Caras. Por um lado, a mídia que ainda se acredita séria quer dar sentido à vida banal, saturando a cabeça do espectador com acontecimentos supostamente importantes, mas que de fato nunca passarão nem de raspão pela vida do espectador. Por outro lado, em Caras o vazio da vida do leitor é estranhamente preenchido pelo próprio vazio da vida das estrelas. O próprio vazio anula o vazio. Mas, vem cá, anula?

CARLOS NADER, 36, HOMEM DE MÍDIA, SEU EMAIL É CARLOS_NADER@HOTMAIL.COM

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