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Mítia – Autofagia virtual

Por Redação

em 21 de setembro de 2005

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Uns dois anos atrás eu estava na fila da livraria do aeroporto de Congonhas, esperando para pagar. À minha frente uma velhinha simpática tinha a revista Caras na mão. A foto da capa mostrava o Luciano Szafir, logo pós-Xuxa, apresentando uma namorada nova. Era aquela garota do tempo, a Fabiana Scaranzi.

Quando chegou a hora da velhinha pagar, ela mostrou a revista à moça do caixa, lançou um olhar integrador pro meu lado e mandou o comentário: ‘Tomara que desta vez dê certo, né’? Eu não entendi nada mas a moça do caixa respondeu na hora: ‘Ah, vai dar sim. Ela tem muito mais a ver com ele’. A velhinha me olhou mais uma vez, aguardando uma contribuição masculina ao debate que se iniciava. Eu a princípio titubeei, mas numa fração milagrosa de segundo, fulminado pela centelha do dom da perspicácia que Deus deu aos humanos, captei o tema da conversa: era o futuro conjugal do Luciano Szafir.

‘Não sei… acho que tem tudo pra dar certo’, eu disse inseguro, feito um universitário do Show do Milhão, imitando a mulher do caixa para não correr o risco de dar uma bola muito fora. Mas elas perceberam minhas fragilidades e preferiram me ignorar. Excluído, fiquei observando aquelas duas mulheres simpáticas, que não se conheciam antes, conversando intimamente sobre a vida íntima de duas outras pessoas que elas nunca conhecerão. Mais à frente, na sala de embarque, sentei atrás de dois sub-executivos que liam a revista Veja e pediam pena de morte para o cinema nacional. E depois, já dentro do avião, o adolescente do banco de trás proclamava a certeza de que o Edmundo não tinha lugar na seleção porque era bissexual, ‘mormaço, aquele que não parece mas queima’.

FOFOCA DIGITAL

A forma mais antiga de mídia é a fofoca. Desde as cavernas, este suporte imaterial foi o primeiro veículo de comunicação a carregar a interpretação pública de um fato. Com a raríssima exceção daqueles que conseguiram furar a barreira da consciência coletiva e cravaram raízes em solo mitológico, a grande maioria dos fatos públicos sempre navegou de boca em boca para acabar à deriva, distorcendo-se até desmanchar no ar.

A forma mais recente de mídia é a eletrônica. É um suporte mais material que a fofoca mas, como ela, também veicula histórias curtas, com ingredientes picantes e que na maioria das vezes têm vida meteórica. As histórias difundidas pelos meios eletrônicos também têm uma elo inicial com a realidade, mas à medida em que são repetidas e repetidas, o elo tende a desaparecer, inclusive antes da própria história.

Mídia não é amor, aliás não mesmo, mas também tem razões que a razão desconhece. A primeira lei universal a caducar na era midiática é a lei da oferta e da procura. Contrariando qualquer racionalidade, quanto mais a mídia se oferece mais ela se valoriza. É uma lógica esquisita, mas é assim. Anunciaram o fim do jornal quando o rádio surgiu. Anunciaram o fim do rádio quando a TV surgiu.

Agora, com o surgimento da Internet, ainda tem gente que anuncia para breve o fim da TV aberta. Só quem tem neurônios de silício não quer perceber que quem mais ganhou com a chegada da internet foi a mídia tradicional.

anhou em assunto de pauta, ganhou em meios de penetração e, sobretudo, ganhou em dinheiro. A maior parte dos recursos investidos na internet vai direto para a mídia tradicional, e de uma forma ainda mais tradicional: publicidade. E nunca houve tanta mídia tradicional no mundo. Nunca houve tanto jornal, tanta revista, tanto rádio, tanta televisão. Uma em cima da outra. Uma dentro da outra. A mídia tem a esquisita característica de crescer à medida em que se canibaliza. Num quadro destes, é óbvio enxergar que nunca houve tanta fofoca, a mais tradicional de todas as mídias. Da Veja à Caras. Da Globo News ao Programa da Adriane Galisteu. Tanto nos veículos e produtos que se acreditam sérios quanto naqueles sem-vergonha de ser o que são, o fuxico é rei.

Quando Gutemberg inventou a imprensa e imprimiu a primeira Bíblia, algum bispo guardião da moral deve ter gloriosamente anunciado o fim da fofoca. Gente, não é que eu queira falar mal não, mas o coitado deve estar com a orelha quente no túmulo. A vida alheia é um eterno campeão de audiência. A fofoca nunca esteve tão viva. Não há nada a fazer. Só torcer para que o Luciano Szafir tenha sorte com as suas namoradas.

*CARLOS NADER, 35, HOMEM DE MÍDIA, SEU E-MAIL É CARLOS_NADER@HOTMAIL.COM

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