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Mítia

Por Redação

em 21 de setembro de 2005

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mitia Que contribuição a mídia tem dado para a discussão da sexualidade e afetividade dos brasileiros? Em que pese as tentativas politicamente corretas tipo MTV Erótica, a mídia é um espaço que costuma exibir muito mais cabelos do que cérebros oxigenados. Digamos que o Pedro Alvares Cabral tivesse sido congelado em maio de 1500 e acordasse agora na frente de um aparelho de televisão. Primeiro, ele ficaria primeiro bem decepcionado achando que as terras descobertas com tanto esforço acabaram sendo colonizadas pela Dinamarca. Depois, à medida que fosse acordando e ficando mais lúcido, ele observaria melhor os programas e perceberia que a situação não é tão grave assim: aqui no Brasil, quase só mulher nasce loura.

Cabral então se lembraria que foi ele mesmo o primeiro homem a trazer uma tela à nossa terra. É, foi o espelho introduzido pelo colonizador europeu o responsável pelos primeiros momentos brasileiros de transe midiático quando nas praias baianas os índios se encantaram com a própria imagem mediada por este aparelho de alta definição e tecnologia importada. Naquela época, os espectadores viram na tela a mesma imagem que existia fora dela mas, de lá pra cá, além dos cabelos, os detentores e usuários da tecnologia de comunicação se esforçaram para dourar a pílula. E conseguiram. Com poucas exceções – que vão da caricatura autodepreciativa dos reality-shows na linha do Ratinho à muito melhor intencionada prole do Programa Legal – faz tempo que o público não assiste a uma mídia à sua imagem e semelhança. Um fosso profundo se abriu entre a terra firme e a tela/filme.

Todo ser humano tem o direito de ir, vir e pintar o cabelo de qualquer cor. Defendo radicalmente a liberdade de transformar o próprio corpo. Que isto fique tão claro quanto o lado externo da cabeça da Hebe, da Ana Maria Braga, da Eliana, da Angélica, da Carla Peres, da Adriane Galisteu e do Gugú. O problema não está na falsidade do corante. O problema está na falsidade ideológica que o excesso de arianismo macaqueado torna ululante. Quem tem olhos para assistir que assista. As cores e formas espetaculares exibidas pela mídia via de regra visam ofuscar os espectadores tanto no sentido de diminuí-los quanto de cegá-los para esconder a mensagem escravizante que elas carregam. É uma mensagem de dominação cultural que na maioria das vezes não é nem arquitetada maquiavelicamente pelo poder. Mas que nem por isso deixa de ser poderosamente comunicada. Eu adoraria achar, como a Rainha Xuxa, que ‘criança gosta de loura porque boneca é loura’. Infelizmente, acredito que a boneca loira é parte de um processo de educação e colonização que começa desde cedo.

Que me desculpem os modernos. Que me perdoe a direita festiva por um discurso tão demodê. Eu já ouço os cochichos: ‘ai gente, pra quê ficar questionando tanto? Cabelo é só cabelo’. É verdade. E é verdade que houve um enorme progresso em relação à realidade escandinava da TV e da publicidade dos anos 70. Infelizmente, é verdade também que as relações de sexualidade e afetividade dos brasileiros continuam profundamente influenciadas pela imagem, mediada pela mídia, que os próprios brasileiros fazem de si mesmos. Qualquer relação de estima sem auto-estima é inviável.

Não é só no que diz respeito à cor. O volume de cabelo oxigenado nas telas e páginas é só a peruca do iceberg. A política de dominação (e autodominação) se manifesta através de uma mistificação desvairada de todo o corpo tanto por parte dos veículos quanto dos espectadores. É a bunda da Tiazinha, é o peito da Feiticeira, é o abdômen do Paulo Zulu, é o olho da Ana Paula Arósio, é a altura do Thiago Lacerda, é a magreza da Gisele Bundchen. O que é vendido como um panteão de adoração a sexualidade é na verdade o difusor de uma mensagem contrária à prática de um sexo mais livre e feliz. Esta mensagem preconceituosa, formada por um consenso estranho entre dominadores e dominados, é disseminada com uma simplicidade redutora: ‘0,1% da população é digna da do dom beleza. 99,9% é feia ou horrorosa’.

A concentração de beleza no Brasil e no mundo consegue ser maior que a concentração de renda. Redistribuição urgente! Não se trata de demonizar só os veículos por esta sexualização artificial. Há uma relação bem mais complexa que recentemente o Silvio Santos com a conhecida delicadeza que Deus lhe deu já destrinchou para nós: ‘Se o público quer pouca roupa, nós damos pouca roupa’. De qualquer modo, está evidente que o espaço midiático dedicado ao culto daquela restrita minoria que se canonizou como sexy e elegante polui corpos e cérebros. O Ministério da Felicidade adverte: a difusão massiva dos padrões idealizados de beleza intoxica a alma.

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