MINUTO DE SILÊNCIO
Num mundo em que tudo é falado, escrito e comunicado, o que mais este colunista teria a dizer?
Por Redação
em 21 de setembro de 2005
Caro Paulo,
Vou tomar a liberdade de pegar emprestada a boa fórmula do Caro Ricardo, aqui da página ao lado. Vou te escrever também uma carta aberta. Só desta vez. Posso? O que eu queria te dizer é o seguinte. Não estou mais escrevendo com prazer. Não estou. Você já sabe disso. Nos últimos meses, é sempre a mesma coisa. O prazo já estourou e eu ainda nem comecei a pensar no tema da coluna. Aí eu acabo escrevendo tudo num começo aflito de madrugada. Num destes. E quando releio, já na revista impressa, acho que não serve nem pra embrulhar peixe.
Não era assim. No começo eu sentava para escrever com vontade. E tive alguns bons momentos. Mas de uns meses pra cá, a coisa degringolou. Você pode até argumentar que não é essa a opinião dos leitores, que a esmagadora maioria das cartas é sempre cheia de elogios. Mas eu não acredito. Não é que eu queira encarnar um Baudelaire, que dedicou um poema ao leitor hypocrite. Estou muito aquém, claro. Eu também não ousaria imitar o Waly Salomão, meu grande e saudoso mestre de vida, que enxotava os fãs mais caramelizados da fila de autógrafos, sacando suas invejas secretas, aos gritos públicos de ‘Falso!! Falso!!’. Não tenho essa envergadura. Pelo contrário, sempre fiz uma linha bom moço. Fofo. E, enquanto fofo, acho que o leitor merece coisa melhor.
Numa hora dessas o Waly já teria me enxotado da coluna. ‘Demagogo!’ Demissão sumária. Ele desprezava os personagens da imprensa que atuam como funcionários públicos do leitor, do espectador. Aqueles que fazem um tipo ‘o que importa é o carinho do público, né gente?’. Ai! Fofura tem limite. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Nem Gugu nem Flavio Cavalcanti. Então o quê? Não sei. Estou desanimado. Hoje só tenho vontade de ficar quieto. Ou de imitar. Citar outras pessoas. Chega de verdade, diria o Lobão. Melhor que tudo, só o silêncio, diria, aproximadamente, o Caetano. Tá me faltando silêncio. Tenho vontade de transformar este espaço aqui numa página em branco. Dedicada ao Dorival Caymmi. Que tal?
Violência da informação
Desculpe, caro Paulo. Acho que ainda não juntei coragem para ficar quieto. E muito menos para abrir mão deste veículo precioso. Então peço humildemente a sua ajuda. Quero encontrar um novo formato. Estou achando que não vale a pena escrever sobre nada. Estou realmente incomodado com o excesso de opinião, o excesso de informação. A violência da informação, como notou Milton Santos. E isso em mim nem é uma coisa muito pensada. É uma reação quase física à poluição de bits químicos ou eletrônicos. Estou cansado. Não é que eu queira transformar minha vida numa Coréia do Norte. Eu sempre amei informação, sempre fui viciado em informação. Mas agora estou confuso. Quem não está confuso está malinformado. Não está? Eu estou. ‘Onde o conhecimento que perdemos na informação? Onde a sabedoria que perdemos no saber?’, disse T.S. Eliot nos premonitores Coros de A Rocha.
Você já me deu uns conselhos. Ser pessoal. Escrever simples. E, numa última conversa que tivemos, você me disse que falar de ‘mídia’ estava me limitando. Aí eu concordo duzentos por cento. Engraçado, nunca imaginei que um dia eu fosse escrever sobre mídia. Eu detesto a própria palavra ‘mídia’. Outro dia um publicitário me abordou num restaurante. ‘Te conheço da mídia’, ele disse. Fiquei absolutamente constrangido. Você já ouviu coisa mais cafona que ‘te conheço da mídia’? Olha em volta. Olha quanta página de revista, quanto outdoor, quanto luminoso, quanta marca, quanta tela. São Paulo está virando uma internet 3D. Parece que o mundo está tomando a forma de um veículo de comunicação. E parece que os veículos de comunicação estão formando um outro mundo. Uma outra esfera. Uma mídia-esfera. Mas tá tudo misturado. Ainda faz algum sentido falar em ‘mídia’ como se fosse um espaço estanque da realidade?
Sei lá. Só sei que eu cansei, caro Paulo. E eu nem queria cometer esse sincericídio em praça pública. É tudo que um colunista não deve fazer. Expressar as dúvidas. Mas quero mesmo arejar. Falar de outra coisa. Se você, ou alguém aí que estiver ouvindo, tiver alguma idéia, eu adoraria ouvi-la.
Aquele abraço.
*Carlos Nader, 37, homem de mídia, descobriu que detesta ser chamado de homem de mídia. Seu e-mail é carlos_nader@hotmail.com
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