Com entrevistas de Gal Costa e Jards Macalé, biografia do compositor carioca chega às livrarias festejando a trajetória de poesia e luta do negro gato da música brasileira
A poesia, a voz e o corpo de Luiz Melodia fazem parte da cultura brasileira de forma única e potente. Assim como a primeira escola de samba do país, ele nasceu no bairro carioca do Estácio, chão que cantou em verso e prosa em algumas das mais lindas canções do repertório popular brasileiro. Cresceu na favela, no Morro de São Carlos, de onde saiu para ganhar os palcos do Brasil e do mundo. Melodia se firmou na música sendo um homem preto e pobre que ousava fazer sucesso sem cantar samba, não se submetia às gravadoras e não fazia o que esperavam dele.
Ele morreu há 3 anos, em 4 de agosto de 2017, e ganha hoje sua primeira biografia, lançada pela Editora Tordesilhas. Escrito por Toninho Vaz, o livro Meu nome é ébano: a vida e a obra de Luiz Melodia soma mais de 60 entrevistas sobre o negro gato carioca e revela suas diversas facetas. "Ele se tornou um ícone da resistência negra no Rio. Tinha fama de rebelde, mas era uma doce pessoa, um poeta. Ele era arredio no contato com as gravadoras, era indócil com isso. Luiz Melodia não era uma pessoa de comportamento padrão", resume Toninho. Vem ler nossa entrevista com ele:
Trip. Você conheceu Luiz pessoalmente?
Toninho Vaz. Meu primeiro encontro com ele foi muito superficial, em 1977. Eu estava chegando pra morar no Rio de Janeiro e uma amiga minha o conhecia. Luiz estava hospedado com a família na casa de outro amigo, em Santa Teresa. Passamos lá e ele estava na janela, fomos apresentados, ele me mandou um abraço. Ele já era um sucesso nessa época. O segundo encontro foi mais completo. Ele me recebeu para uma entrevista de uns 20 minutos no Canecão, em 2003. Eu estava escrevendo um livro sobre o Torquato Neto e Luiz foi descoberto pelo Torquato. Mas eu nunca fui próximo do Luiz. Eu era próximo da cena dele, dos amigos dele, ele estava por perto. Mas fui me tornar uma pessoa estudada em Luiz Melodia agora, com a biografia, um ano de pesquisa e 64 entrevistados.
Quem são alguns desses entrevistados? Gal Costa, Jards Macalé, Frejat, Mart'nália, Hyldon… E muitos outros.
Depois de toda essa apuração, qual você acha que é o legado do Luiz? A trajetória do Luiz é de um homem negro de morro, da favela, com todas as dificuldades que isso impõe. Ele tinha um talento nato que aflorou apesar das dificuldades e se tornou um ícone da resistência negra no Rio. Tinha fama de rebelde, mas era uma doce pessoa, um poeta. Ele era arredio no contato com as gravadoras, era indócil com isso. Luiz Melodia não era uma pessoa de comportamento padrão.
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Ele disse em algumas entrevistas que sentia não teve o reconhecimento devido. Você ouviu algo sobre isso? Um produtor dele me contou que ele um dia reclamou de estar ganhando muito menos dinheiro que o Djavan e o Gil. O produtor respondeu: "Luiz, eles não são boêmios, não perdem tempo na boemia". E ele ficou calado. Era um poeta, não era um negociante que estava fazendo da música um negócio.
Luiz era muito festeiro? Era a época do baixo Leblon, eu vivia lá e eu via o Luiz ali tomando chope com os amigos dele. Cansamos de passar madrugadas lá e o dia amanhecia, não passava carro de tanta gente em pé. Era uma coisa absurda, era o auge do baixo Leblon e ele era um personagem frequente ali, assim como o Cazuza, o Moraes Moreira.
Como o livro começa? O primeiro capítulo é dedicado ao Morro de São Carlos, à floresta mágica. Descrevo o morro que ele tanto cantou em prosa e verso, onde se criou e de onde é filho. A escola de samba do Estácio é encravada no alto desse morro, é uma escola de samba pioneira, a primeira do Brasil. O samba lá é tradição e o Luiz era íntimo dessa cena, foi o berço dele.
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