André Caramuru Albert: ”Crescimento sustentável é que nem grávida sem barriga”

"A caça, os banhos, os jogos e o riso: eis a vida para mim." Essa frase está numa ruína romana em Timgad, em terras, hoje secas, nos planaltos do sul da Argélia, quase no Saara . Ela foi gravada em algum momento do século 3 d. C., quando a região era tão rica, tão fértil e tão "para sempre" que as pessoas dali, assim como muitos de nós hoje, podiam se dar ao luxo de esbanjar à vontade, e de saber que viver é isso. Nós somos tão felizes e tão plenos que às vezes até paramos para pensar, como agora, se não estamos exagerando. E, é claro, quando nos propomos a discutir o "menos", é porque bem ou mal admitimos que estamos "muito". Mais do que na sociedade da informação, da velocidade ou da globalização, será que não estamos vivendo, como os romanos às vésperas de o Império se desfazer, na sociedade do excesso? Os que já consumiam, consomem mais; e os que não consumiam, exigem agora, com justiça, sua parte do bolo. E somos muitos: a humanidade levou dezenas de milhares de anos para atingir, no começo do século 19, a marca de 1 bilhão de pessoas. Menos de 200 anos depois, estamos em quase 7 bilhões.

Ao mesmo tempo, demandas explodiram. Carros, eletrônicos, plásticos, viagens, comida, eletricidade, água... Cada vez mais gente consome, e consome cada vez mais. Há quem diga que já faz 20 anos que nossa curva ascendente de consumo de recursos naturais superou a capacidade de reposição da Terra. Também se diz que, já em 2003, o custo ambiental de cada pessoa (a pegada ecológica) estava 25% acima do ponto de equilíbrio. Esses números não são 100% exatos e há quem tenha argumentos razoáveis para contestá-los. No varejo, pode ser. Mas, no atacado, não há dúvida que a situação é crítica. Qualquer população que aumentasse sete vezes de tamanho em poucos anos criaria um problema ecológico, fosse ela de baratas, ratos, águas-vivas, ainda mais se cada novo indivíduo consumisse muito mais do que seus antepassados.

Mais carros é notícia boa?

A expressão "crescimento sustentável" é bonita no marketing de partidos e empresas, mas na prática é tão fácil de encontrar quanto, digamos, grávida sem barriga. Existe solução? Ora, enquanto a gente discute, o planeta vai vivendo um paradoxo esquizofrênico. Basta olhar para um dilema urbano de nossos tempos: lemos nos jornais que a produção automobilística está crescendo, e isso é "bom" porque o PIB avança, a renda aumenta e a classe C compra seu primeiro carro. Algumas páginas depois, o mesmo jornal dirá que o trânsito e a poluição estão fora do controle, que prefeituras não param de criar formas de restringir a circulação de veículos e que devemos evitar sair de carro. Também pedem que você racionalize o consumo de eletricidade, mas ao mesmo tempo querem que você tenha uma TV em cada cômodo, duas geladeiras, celulares, computadores, ar-condicionado... Enquanto isso, as classes C e D vão passando, sem escalas, da subnutrição à obesidade.

Os produtos evoluíram, em poucos anos, da obsolescência inevitável para a obsolescência festejada. Qual foi a última vez que você comprou um celular novo porque o velho quebrou? É a luta do aumento do PIB versus a conservação ecológica. E adivinha quem está ganhando, de lavada? Será que suportaríamos, para não perder tudo, viver com menos "caça, banhos e jogos"? Tomara, seria bom, mas, para falar a verdade, isso parece improvável. É que não é fácil argumentar com 7 bilhões de pessoas, hipersedentas, cada uma delas, pela sua cota de "riso"

*André Caramuru Aubert, 48, é historiador e trabalha com tecnologia. Seu e-mail é acaramuru@trip.com.br

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