por J.R.Duran

Invisíveis, os centuriões modernos se sentem acima do bem e do mal

Uma nova figura aparece na espiral da guerra civil não declarada em que o país está enroscado. São os homens de preto. Men in black. Nunca estão sozinhos, sempre em grupo. Alguns de óculos escuros, outros falando em walkie-talkies, todos de terno preto e camisa branca. Ternos suados, mal abotoadas camisas, nós de gravata mal dados. Réplicas mal barbeadas de cães de aluguel, como em um filme de Tarantino. São os guarda-costas que protegem o traseiro de quem tem medo. Quanto mais medo, mais men in black com olhar de rottweiller encarando, desafiador, qualquer um que cruze no caminho.

Outro dia um carro fechou o meu em uma avenida qualquer. Quatro caras vestidos de preto estavam dentro do veículo, os sentados no banco de trás estavam com os braços para fora da janela, carregando as portas debaixo do sovaco (uma característica de testosterona em busca de encrenca). Era um Volkswagen preto também, esculhambado, e achei, instintivamente, que minha hora (qual delas?) tinha chegado. Na fração de segundo tentei pensar em alternativas de fuga, mas no meio daquele trânsito nenhuma me pareceu possível. Falso alarme. Os quatro eram os homens de preto de um carro importado qualquer que com uma majestade impassível ia costurando faixas lá na frente. O solitário motorista dirigia displicentemente.

Uma mão ao volante, a outra grudava um celular na orelha, alheio ao seu redor com a retaguarda, ele sabia, bem protegida. Na tentativa de não perder o seu senhor de vista, os quatro homens de preto quase forçaram um acidente. Aceleraram, brecaram, aceleraram e partiram (olhos faiscando), cantando pneus, atrás do seu dono. O carro em questão não era oficial - logo, os guarda-costas também não. Por que teriam o direito de se achar com a preferência naquele trânsito? Se o bacana no importado estivesse sem guarda-costas, ele ou eles se sentiriam tão impunes?

Homens da cadeira

Quanto mais global, mais medieval. Como nos filmes de capa e espada, o senhor vai de um ponto a outro protegido pela escolta, com o olhar perdido no horizonte enquanto atrás dele vêm os cães de aluguel fazendo com que todo o mundo se aparte. Os homens de preto se sentem protegidos pela impunidade do senhor que os contrata. São invisíveis, porque todos fazem de conta que eles não estão lá; talvez por isso se sintam acima das normas que outros mortais têm de respeitar. São os acessórios de um poder encurralado que se esconde no carro blindado, atrás do vidro fumê ou do arame farpado. O mesmo arame farpado que se vê em qualquer país da África.

Os homens de preto são, também, o reconhecimento de um medo e, quem sabe, da culpa de uma sociedade que se isola mais e mais e que se encolhe como uma ostra em volta de suas pérolas. Que se refugia em um autismo social que, aliado a um cômodo fatalismo existencial, desemboca em uma inércia total.

Esses homens de preto são os primos ricos dos homens da cadeira. Os homens da cadeira são os seguranças que surgiram anos atrás com o destino de ficar plantados em frente de algumas casas. Como proteção. Radinho na mão e olhar inquisidor dando a falsa sensação, ao proprietário do imóvel, de que o destino irá bater em outra porta. Eles passam o dia inteiro, e a noite também, sentados onde podem. Como as cadeiras não são fornecidas com o emprego, têm de ser trazidas de casa e são as mais diversas: marfinite de três pernas, cadeira de escritório sem rodas, sem estofamento, um pedaço de madeira entre duas árvores.

A vida do moderno centurião não é fácil. Os seguranças, os vigias, ficam na frente das casas cobiçadas, com arquitetura impecável, sentados em móveis desprezados. Acontece que os homens de preto são a prova de que essa proteção inicial, individualista e paralela à de um Estado insensível, não deu certo. E é o testemunho de que eles também não darão. Porque o remédio para a insegurança é outro. Ou, como diz um amigo, se aqui não se faz, aqui se paga.

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