por Luiz Alberto Mendes

 

 

"Manias do Luiz"

 

Há quem viva sem se preocupar se a vida tem algum sentido. Há quem não questione sobre de onde veio e para onde irá. Há quem sequer pense sobre o que esta fazendo e sendo o que é. Eu, não sei se feliz ou infelizmente, preciso de respostas. Tenho uma idéia do porque estou vivo, de onde devo ter vindo, para onde provavelmente irei e do que tenho sido. Mas essas idéias são gerais e não me satisfazem; preciso de mais. Preciso motivos específicos para viver o cotidiano. Estava preso e sem futuro; passado então, nem se falava. Restava o presente feito de grades, guardas e um  regulamento rígido. Viver por viver era pouco e eu me desesperava. Então a única saída foi construir, dia a dia, sentidos de existência.

Morava em cela individual e fui criando o que os companheiros diziam ser "manias do Luiz". Primeiro trouxe uma pequena lata com uma plantinha para a cela. Cuidei com amor e dedicação e ela cresceu rápido. Mas logo uma só era pouco; trouxe outra, a seguir outra e outra. Os guardas, quando revistavam a cela, ameaçavam tomá-las de mim. Eu pedia que deixassem minhas plantas em paz. Eles diziam que eu poderia esconder contravenções nas latas, mas sabiam que eu era um preso que não dava problemas disciplinares. Argumentava em cima disso e eles não levavam. As latinhas passaram a ser latas e latões e as plantinhas estavam virando plantas enormes. Eu passava horas cuidando delas com carinho. Até que os guardas se aborreceram e levaram tudo em um carrinho.

A vida esvaziou-se. Fiquei com raiva dos guardas e saudades de minhas plantas, mas não desisti. Se o problema era a terra onde poderia esconder drogas, facas ou coisas proibidas, então inventei. Consegui algumas lâmpadas queimadas e, com muita paciência, furei a parte que dava contato com a eletricidade, fiz buracos e enchi de água. Amigos presos me trouxeram plantas do Parque Agrícola e, com arame de cobre grosso, fiz os alicerces. Coloquei pregos na parede e pendurei as lâmpadas cheias de água com as plantas. Os guardas olhavam e reclamavam: não podia ter plantas na cela. Mas as "manias" crescem. Logo eu tinha cerca de 30 a 40 Lâmpadas nas cela; as paredes lotadas com trepadeiras e plantas que domestiquei para viverem na água. Um dia os guardas, esses inimigos do preso, jogaram tudo para baixo, sadicamente, para que eu escuta-se o estouro. Que ódio! Amava minhas plantas. Pensei que fosse morrer de raiva.

Não podia plantas. Então comecei a recortar gravuras de plantas de revistas e colar na parede. No começo eles achavam bonito, olhavam e sorriam. Mas não demorou para que eu arrumasse gravuras, litografias, cartazes de árvores, plantas, flores e a cela ficou decorada novamente. Eu ficava namorando uma a uma, observando detalhes, absorvendo-as. Como não poderia deixar de ser, um dia eles, os malditos guardas, vieram e arrancaram tudo. Eu não tinha sossego com aquela gente. Viviam a me perseguir. Várias vezes eles arrancavam os meus livros da cela, diziam que eu tinha muitos e dificultava a revista. Eu ia na diretoria, reclamava, citava leis que me davam o direito de estudar e eles me devolviam tudo. Meus cadernos de apontamentos, minha coleção de canetas, de selos, eles embaçavam com tudo o que eu tivesse. Vivi minha pena toda brigando com eles por causa de minhas coisas. Mandava cartas e ofícios ao Juiz denunciando suas arbitrariedades, espancamentos e injustiças. Isso também dava sentido à minha vida; sem fazer nada é que eu não ia ficar, nem que me arrebentassem a pauladas. Fiz meu presente vivo e sempre cheio de motivos de viver, mesmo preso.

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Luiz Mendes

11/08/2015.

 

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