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Mais TV! Que nunca

Reality show: desmoralizando os outros

Por Redação

em 21 de setembro de 2005

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Ilustração Beto Shibata

Ninguém tem muita dúvida, a maior novidade da TV contemporânea é o reality show. Isso do ponto de vista da forma. No quesito ideologia, a nova atração é a desmoralização do semelhante.

O conteúdo [auto]destrutivo tem se espa-lhado feito erva daninha por todos os formatos televisivos. As vinhas da sacanagem brotaram com as ?Pegadinhas? da década de 80 e deram seus frutos mais pródigos com os próprios reality shows que, por definição, são programas em que o roteirista se dedica a resolver uma só questão: ?Que artimanhas eu devo inventar para que nove pessoas se fodam e uma ganhe no final, depois de se foder também??.

Desculpem meu português [auto]destrutivo. Gosto de assistir a alguns shows de realidade. Há algo de pseudo-experiência científica neles que pode ser divertido e até instrutivo. E defendo a sacanagem, esse patrimônio nacional muito anterior à própria TV. Num grau pessoal e gaiato, a sacanagem é o me-lhor antídoto contra o apartheid em que pode se transformar a polidez civilizada dos centros do politicamente correto. Daria até para dizer que a tendência [auto]destrutiva da mídia eletrônica tem uma vantagem: ela democratiza a tela, levando para dentro dela o próprio espectador. Pena que, para aparecer indivi-dualizada no olimpo digital, a não-celebridade tenha que vestir sempre o papel da vítima ? seja das catástrofes da natureza, seja do sarcasmo do próprio espectador. 

Existem várias exceções a essa tendência degradante. Algumas produções recentes mostram o dito homem comum num contexto mais digno e menos espetacular, mesmo na TV aberta. Entre elas estão vários programas produzidos pelo trio Guel Arraes, Hermano Vianna e Regina Casé. O quadro de Denise Fraga no Fantástico. As Provocações de Antonio Abujamra. Há vários outros ainda, que juntos até constituem um pequeno contrafluxo à maré [auto]destrutiva dos últimos anos. Mas são minoritários.

Dead-end socioambiental
O tsunami de sadomasoquismo nos espetáculos coletivos não se limita aos novos formatos da TV. É geral. Vilões de novela subs-tituíram os galãs no recall do público. Torcedores passaram a torcer tanto a favor quanto contra o próprio time. Programas de auditório oferecem um amplo menu [auto]destrutivo, com opções que vão da desconstrução ainda construtiva do Pânico ao sadismo dodói do ?Teste de Fidelidade? do João Kleber. Isto para só citar atrações da mais nova, logo mais [auto]destrutiva, das redes de TV, a Rede TV!.

A vaziez exclamativa do nome é um indício da atualidade da Rede TV! A TV anda mais ?TV!? do que nunca. Essa new wave de [auto]destruição popular é o outro lado da mesmíssima moeda inflacionada que cultua a efígie da celebridade instantânea. É possível que até o estofado do divã do Contardo Calligaris tenha consciência do jogo de espe-lhos entre a [auto]destruição que acontece na tela e na Terra. Se o sadomasoquismo dos shows de realidade é um reflexo direto, a glamorização do vazio é a tentativa histérica de negar o dead-end socioambiental em que os centros urbanos se meteram.

Autocrítica e escapismo são essenciais para a vida saudável. Já o excesso barato deles é o sintoma eletrônico de uma doença social auto-imune, em que o sistema de defesa do organismo ataca a si mesmo, invertendo suas funções. Não é coincidência: quase nenhum espectador é informado de que há no mundo milhões de vítimas de uma epidemia de doenças mentais desencadeada pela poluição de metais pesados. Ou que 800 mil pessoas tenham morrido no ano passado por causa da poluição no ambiente de traba-lho. Não é coincidência também que de casamento chantilly todo mundo saiba detalhes.

*CARLOS NADER, 41, videoartista, assiste e ataca a TV concomitantemente. Seu novo e-mail é: carlos_nader@hotmail.com

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