Ligações perigosas

Não importa o que cada um chame de família, ela ainda é importante

Caro Paulo,

Estou chegando de mais um casamento. Aliás, estou na fase de os filhos dos meus amigos se casarem. Esse é o oitavo nos últimos 30 dias. É casamento de tudo quanto é tipo. Uns mais ricos, outros mais modestos, uns descolados, outros caretas, uns formais, outros naturais, uns mais pagãos, outros religiosos, mas todos querendo fazer a coisa mais antiga da humanidade: criar uma família. A velha e boa família.

A família pode até mudar de concepção conforme a época ou a cultura, mas todo mundo precisa dela e valoriza muito esse porto seguro aonde sempre se volta para descansar e recuperar energias. Não importa o que cada um chama de família, ela é importante.

Você já reparou que nessas entregas de prêmio - Oscar, Grammy, Sundance ou MTV - artistas, dos mais românticos aos mais radicais e contestadores, começam sua lista de agradecimentos pelo pai e pela mãe? É tocante ver aqueles marmanjos questionadores da ordem, de repente ficarem meigos, dóceis e emocionados ao agradecerem a quem lhes deu colo, força e conforto! Se não for por isso, é porque lhes deram razão de luta, o que também é muito importante.

Sempre me chamaram a atenção as cenas de penitenciárias em dia de visita quando mães, pais, marido, mulher e filhos se reúnem no pátio para conversar, se tocar, se olhar e compartilhar a esperança de dias melhores. Que ligação extraordinária é essa que acolhe o erro e a dor e se sustenta no tempo!

Essa é a família de que gosto.

Para mim, o que vale não é a instituição nem sua estrutura. Mas a ligação essencial e incondicional entre as pessoas que mantêm a intimidade e a cumplicidade, não importam os desencontros entre os encontros. Acho até que a instituição é perversa quando impõe papéis que nos afastam de nossa natureza e impedem a ação do verdadeiro script que está no nosso DNA.

Ligação essencial

A sociedade com suas convenções nos afasta da espontaneidade original de cuidar da cria, de colocar no mundo pessoas que experimentem o amor na sua forma mais pura e que, por isso, devem crescer amorosas, dispostas para amar e curiosas com a vida. Eu acredito que essa experiência de amor é individual e não tem nada a ver com a família enquanto instituição.

E percebo que quanto mais individual e profunda é essa experiência, mais forte é a ligação que se estabelece entre as pessoas que formam a família porque cada membro do grupo cresce na sua história pessoal apoiado pelos outros.

Sempre me senti desconfortável quando alguém dizia que a família é a célula-mater da sociedade. Para mim, a célula-mater da sociedade é o indivíduo amoroso, que tem o coração aberto para o outro, que se liga nos outros, que se fraterniza na sua humanidade. E tanto a família como a sociedade deveriam estar a serviço do desenvolvimento desse indivíduo.

Sempre que colocam o grupo ou o social acima do indivíduo vejo as pessoas tristes, sem aventura e paixão. E vejo uma sociedade sem criatividade, racional e repressora, que (de) forma gente individualista e oportunista.

É o indivíduo que cria, questiona, rompe padrões e provoca a evolução. A sociedade, pelo contrário, é travada e conservadora. Curto a família como um meio para eu crescer e não como um fim. Através da experiência de ser pai eu cresço como indivíduo. E não o contrário.

Ser marido da Lili, pai do Tiago, da Silvia, da Helena e do Pedro, e avô do Joaquim são circunstâncias maravilhosas da minha vida. Agradeço a eles e a Deus por isso. Mas a essência da minha biografia é ser Ricardo Guimarães.

Tomara que todos esses noivos do século 21 estejam querendo criar famílias meio e não famílias fim. Torço por eles. Fique com o abraço saudoso do amigo.

fechar