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Batidão frenético

por Camila Eiroa

Produtor musical e DJ Leo Justi mescla o funk carioca com batidas eletrônicas em novo EP Vira Cara e clipe gravado na Vila Mimosa

Ele cresceu no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Como bom carioca, foi difícil passar imune à onda do funk que veio pouco nos anos 2000. O difícil mesmo foi assumir o gosto pelo batidão para seus amigos roqueiros da escola. Com oito anos, decidiu ouvir os melôs sem que ninguém soubesse. E sem que ele próprio soubesse que trabalharia com isso décadas depois.

Aos 28 anos, o produtor musical Leo Justi lançou recentemente o EP (e clipe) Vira Cara. Além disso, tem uma festa chamada Heavy Baile, que faz com diversos DJ's e Mc's no Rio de Janeiro. Em boates de playboy, ou na comunidade da Cruzada, o batidão se mistura com beats eletrônicos nervosos. Mc Tchelinho é mestre de cerimônia da festa e participa de duas músicas do trabalho. Ele também já fez trabalhos com o outro mc carioca, o Dido, e até mesmo com a  cantora inglesa M.I.A em 2012.

Abaixo, leia entrevista com Leo, que fala sobre a fusão das duas batidas em seu trabalho e conta que música é mais trampo do que gosto.

Quando o funk entrou na sua vida? No colégio, pelos anos 1994 com uns oito anos. Tinha uma febre no Rio de funk, na época dos melôs, do Bonde do Tigrão... E eu comecei a curtir nessa época. Porém, logo reprimi esse gosto pelas influências roqueiras à minha volta, que diziam que era música ruim. Só mais tarde, aos 18 anos, que fui descobrir isso.

Que tipo de repressão era essa? Como o funk é cru, beat e voz sem muito rigor técnico, era criticado pela galera do rock que se ligava mais em uma harmonia. Subjulgavam bastante. A partir da minha adolescência que rolou mais abertura. Um amigo meu me disse "Leo, você fica com esse papinho de música, mas não entende o espírito do baile", foi quando eu me liguei que tinha uma parada que além. Morei um ano na Alemanha e foi quando comecei a beber e ir pra balada. Quando voltei, começou a vontade de discotecar e  o gosto pelo funk floresceu. Principalmente influenciado pelo disco da M.I.A, que produzi.

Você disse que não se identifica com a putaria explícita do funk, mas ainda assim diz que quer ter uma sacanagem sútil no seu trampo. Qual a diferença? É meio confuso o sentimento que tenho em relação a isso. Não acho ruim falar sobre sexualidade. Mas acho ruim, por exemplo, a cultura da favela, que é muito desorganizada. Os bailes terminan tarde, a comunidade inteira ouve essas letras explícitas. Inclusive crianças e idosos. Não acho isso ideal. Claro que toda forma de arte deve existir, nada deve ser reprimido. Aas as coisas devem ser colocadas em seus lugares. Tem coisas que eu toco em boate que eu não vou tocar na rua. A favela ignora isso porque as pessoas são tão abandonadas pelo sistema desde sempre, que não têm a chance de refletir sobre coisas tão delicadas como a letra que as crianças estão ouvindo. As preocupações deles são muito mais urgentes do que isso.

Quando começou a festa do Heavy Baile? Em 2014. A gente faz em balada de playboy na Zona Sul e também fizemos na comunidade da Cruzada. Ainda temos muito o que explorar na integração com o público da comunidade. É um dos meus maiores objetivos a longo prazo.

Você sente um comportamento diferente entre o público playboy e o público da favela nas suas festas? Sim. E é engraçado, outro dia rolou uma parada engraçada que provou bastante como a experiência de um evento cultural é complexa. Quando a gente levou o pessoal da comunidade da Cruzada na boate pra ouvir o Heavy Baile, que não é um funk puro, os caras curtiram. Mas na favela, eles acharam o som estranho, porque no ambiente deles o comum era ouvir o funk puro, com aquele tamborzão frenético. Na boate eles nem notaram, mas no ambiente deles bateu estranho.

E como é misturar o eletrônico com o funk? Com a produção que fiz da M.I.A e do Dido. Pra ser sincero, eu não gosto de música eletrônica, não ouço e nunca gostei. O dido foi o primeiro produtor que me fez pegar gosto e hoje em dia eu até gosto de algumas coisas. É complicado até pra mim, como dj, ficar pesquisando música porque não tenho saco de ouvir remix. Então, meu set muitas vezes tem coisas exclusivas que faço da minha maneira. Isso é o que me dá mais tesão. Produzir, não pesquisar. E agora eu tô cansado de batidão, querendo umas coisas com mais harmonia. Mas o funk é impressionante, os caras sempre estão inventando uma coisa diferente,, é algo que me fascina e que eu respeito muito. Gosto de trabalhar com isso.

O EP precede um álbum maior? Eu planejava um lançamento para 2014, mas acabou que não rolou. O álbum está previsto, sim, mas percebi que é um processo longo. Pra fazer um álbum que eu acho foda mesmo, que tem relevância, tem que ter uma história. E eu tenho uma dificuldade pra fazer um trabalho com essa coesão. Acho que meu talento é de fazer uma faixa, porque sou muito bom em detalhes. Então um trabalho maior seria um desafio grande, preciso amadurecer a ideia.

Assista ao clipe de Vira Cara, gravado na comunidade Mimosa, também no Rio, e dirigido pelo produtor Leandro HBL: 

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