por Camila Eiroa

Um espaço para a discussão da mobilidade na capital paulistana

A discussão sobre a presença da bicicleta em grandes metrópoles como meio de transporte mais sustentável é cada vez mais presente no cotidiano de quem vive em meio à fumaça cinza e densa. Embora tenha ganhado muitos adeptos, a magrela não conta com estrutura necessária para quem quer adotá-la como principal meio de se locomover - faltam ciclofaixas, bicicletários, segurança, e o principal de tudo: informação, discussão e debates sobre as melhores formas para concretizar e se conscientizar sobre todas essas ideias.

Pensando nessas questões, há praticamente um ano, existe na Vila Madalena, em São Paulo, o espaço Las Magrelas. Unindo bar e bicicletaria, tudo gira em torno da conscientização sobre mobilidade urbana. Na parte de cima do espaço, ainda funciona o oGangorra, ambiente experimental de co-working. Lá, algumas empresas e coletivos estão envolvidos na proposta de trazer mais qualidade de vida para São Paulo, e se reúnem em encontros para compartilhar ideias e distribuir conhecimento sobre novos mecanismos de trabalho, a fim de conseguir, enfim, mudar o que incomoda na sociedade. Somado a isso, são oferecidas oficinas de grafitti, literatura, jardinagem urbana e exibições de filmes.

A ideia nasceu de dois amigos, Talita Noguchi e Rafael Rodolfo Chacon, que já vinham da bicicletada. Cada um começou a trabalhar em uma loja de bicicleta diferente, uma na zona sul da cidade, e outra na zona oeste. Com pouco mais de um ano nessa experiência, conseguiram aprender muita coisa e, somado com os amigos pilhando pra eles abrirem a própria loja, os primeiros rascunhos surgiram: uma oficina com uma geladeira de cerveja pra quem viesse arrumar a bike, ou deixar pra consertar, poder trocar uma ideia durante o trampo. Quando chegou a hora de dar vida às ideias, os dois tinham uma certeza, a de que queriam uma loja diferente das outras.

“As outras lojas parecem concessionárias, iguais as de carro. Como a gente gostava muito de mexer com a bike, consertar e montar, o foco maior era na questão do serviço, da mecânica. Então, começamos a planejar o lugar pensando na oficina. A ideia foi tomando outro corpo quando a gente começou a conversar com uns amigos e a galera também tava em uma energia de mudar de negócios, de sair de onde tava trabalhando pra começar a trabalhar com a questão da mobilidade. Por isso resolvemos fazer também o bar e oGangorra”, conta Rafael Rodolfo, conhecido como Rodo.

Todas as pessoas que se interessaram e se engajaram com o projeto estão bem acolhidas. O bar, que fica no espaço central, é considerado o coração da casa. “A gente tem uma história muito grande com o ciclo ativismo, e sabemos que a permanência das pessoas em um lugar faz com que elas troquem ideia, por mais que sejam bobagens, e essas ideias começam a criar pernas e braços e podem se transformar em ações. Por isso a gente resolveu criar o bar, pras pessoas poderem permanecer, conversar e ativar certos círculos de amizade para poder fazer algumas ações na cidade. É um espaço de permanência e discussão”, explica Talita enquanto apresenta todos os cantos – cada um deles com intervenções artísticas diferentes.

Trip A gente já sabe que o espaço nasceu estruturado. Mas como funciona cada parte aqui dentro?

Talita Nós temos três bancadas na parte de baixo, onde funciona a mecânica. Uma delas é pra quem curte consertar a própria bike, alugamos por hora. Também tentamos ensinar algumas coisas de vez em quando, porque a gente acredita muito que a bicicleta é um instrumento de independência e liberdade, então se você não souber mexer nela, você não consegue atingir esse objetivo. O bar tem um showroom, área de exposição, várias intervenções urbanas e artísticas. A cozinha é colaborativa, não tem um único chefe. A gente tenta abranger o máximo possível no espaço, porque tem desde vegetariano e ciclista, até o cara que anda de terno com carro. Subindo a gente vem parar no oGangorra, que é o espaço de co-working. Visa juntar os coletivos de qualidade de vida, tem alguns focos de mobilidade urbana mas acaba sendo um geralzão.

Desde que vocês se instalaram aqui na Vila Madalena, sentiram alguma mudança no bairro?
Acho que a bike tá crescendo muito em São Paulo, independentemente desse espaço estar vingando ou não. Esse bairro, principalmente o quarteirão, vem ficando cada vez mais vivo. Depois que a gente abriu, outros comércios também abriram logo em seguida ou ao mesmo tempo. Dá pra perceber que aos poucos existe um resgate do comércio local. Percebo uma mudança no aproveitamento do espaço público ultimamente. O número de pessoas procurando o co-working cresceu.

A consciência por parte dos motoristas aumentou, você sente? Já faltou mais consciência por parte de motoristas de ônibus e carros, ainda hoje eu ouço reclamações sobre abuso. Mas eu acho que se a pessoa é mal educada, ela é mal educada dentro do carro, dentro do ônibus, dentro do táxi e em cima de uma bicicleta. A bicicleta está cada vez mais visível comparando com alguns anos atrás, mas ainda tem muita coisa pra se fazer. Volante não muda caráter, não tem nada que muda caráter. Falta conscientizar todo mundo. Não é um problema de meio de transporte, é um problema educacional. As soluções são mais complexas e as pessoas não conseguem enxergar, então vira uma guerra. Óbvio que de um lado morre mais gente, infelizmente é uma realidade. Mas a gente precisa começar a enxergar que não existem instrumentos que resolvam a cidade, somos nós que mudamos. Falta visibilidade.

Quanto às iniciativas de instituições privadas instalarem pontos de aluguel de bicicleta na cidade, qual a sua opinião? Isso é uma coisa que já vem de fora. Nos Estados Unidos também existe isso. Tem várias críticas, mas também tem muitos pontos a favor. Quer queira, quer não, isso está se inserindo de uma forma que as pessoas conseguem usar a bike. Por mais que sejam instituições que estejam fazendo isso e a forma com que estão fazendo venha sendo discutida, aumentou o número de pessoas usando a bicicleta. E fazer as pessoas usarem bike dentro de São Paulo é um mérito que não dá pra tirar de nenhuma instituição. A forma como isso foi planejado e está acontecendo sim, tem seus defeitos. Começou na região central e está se expandindo agora. As bikes talvez não sejam as mais adequadas – não sei porque eu nunca usei, mas vejo tanto críticas boas quanto ruins. O que eu vejo de bom é exatamente isso, as pessoas gostam porque têm a oportunidade de fazer, e não gostam porque não é a qualidade que elas queriam. Mas pelo que você paga, eu não sei se está sendo incoerente. Eu acho bem bacana.

Existem algumas críticas sobre a localização, sem ciclofaixas por perto... Espaços como ciclovias e ciclofaixas são segregadores na verdade. O que a gente precisa não é de espaço segregador, a gente precisa criar uma consciência de educação no trânsito. Se continuarem segregando as pessoas, elas não vão saber compartilhar. Acho que o ciclista tem que ir pra rua pra todo mundo aprender a compartilhar, porque é assim que você gera educação no trânsito. Se você não bota a bicicleta na rua, como você vai mostrar pro motorista que tem gente querendo usar o espaço de uma forma diferente? Você não mostra.

E legislação, o que a gente tem previsto em lei pro uso da bicicleta no trânsito? Tem algumas coisas básicas na bicicleta que você tem que ter. O capacete, por exemplo, é uma coisa que todo mundo acha que é obrigatório e não é. O que é obrigatório é espelho retrovisor – o Brasil consegue ser o único lugar do mundo que exige isso. Que é ter que cuidar de si mesmo porque não pode contar com a boa vontade dos outros. Tem algumas regrinhas que falam sobre a bicicleta, que pode ocupar os bordos da pista, a lei do um metro e meio pra ultrapassagem, não pode trafegar pela calçada...

No Brasil, São Paulo é o lugar que tá dando mais enfoque pra bicicleta? Acho que é uma coisa que está rolando muito da nossa geração. É um movimento em vários aspectos, não só da bike. As festas de rua, sabe? Várias coisas surgindo. Jardinagem urbana... A galera está se juntando, vários coletivos nascendo e juntando forças pra fazer várias coisas. Mas isso não é só em São Paulo. Curitiba, Porto Alegre, a galera está muito esforçada em relação à qualidade de vida. Aracaju também parece que vem se tornando uma cidade incrível pra bicicleta por causa dos coletivos, tem muita gente se esforçando em relação a isso.

E ao mesmo tempo, existem muitas cidades pequenas que usam a bicicleta como meio de transporte principal e ninguém presta atenção. Exato, ninguém enxerga muito isso.

Dicas para quem quer começar a andar de bike na cidade
por Talita Noguchi 

Em primeiro lugar é importante superar as barreiras psicológicas, porque isso atrapalha tanto em relação a andar de bicicleta, como qualquer outro âmbito da vida pessoal. Se ela existe, precisa ser ultrapassada.

Adquirir uma boa bicicleta pra uso urbano vai ajudar muito. Porque se você tiver uma bicicleta muito ruim, você se desestimula. Não por ser é ruim andar de bicicleta, mas por ser uma bike ruim para fazer isso.

Se orientar quanto às leis de trânsito, saber seus argumentos, saber se posicionar na rua e todas as formas de se manter seguro. Existe muito material – mesmo pela internet – que pode orientar em relação a isso. 

Pessoalmente acho bacana a pessoa sempre pensar em objetos de segurança. Por exemplo, se vai andar de bicicleta à noite, é legal ter objetos de iluminação. Nem que seja um refletor pequeno.

Vale a visita: Rua Arthur de Azevedo, 922 - São Paulo, SP

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