Oscar Pistorius e os limites da interação entre homem, máquina e mundo animal
Enquanto luta para correr na Olimpíada de Londres, Oscar Pistorius chama a atenção sobre os limites da interação entre homem, máquina e mundo animal
Quando não passava de um objeto de curiosidade misturado a compaixão, Oscar Pistorius não incomodava o estrelato esportivo. Mas, em 2007, ao anunciar a intenção de disputar eventos com atletas não portadores de deficiência, foi como se o sul-africano e multicampeão paraolímpico tivesse pisado no pé de algum dirigente com suas próteses ortopédicas. E, de heroica (capaz de sustentar os sonhos de um menino que nasceu com um defeito congênito na fíbula e teve as duas pernas amputadas aos 11 meses), a tecnologia foi transformada em vilã.
As próteses de fibra de carbono foram desenvolvidas pelo biomédico americano Van Phillips, inspirado nos movimentos do guepardo, recebendo o nome de Cheetah Flex-Foot. Há quem veja ali um caso vitorioso de biomimética, em que a inspiração animal permite uma integração mais natural entre amputado e prótese. Por outro lado, há quem enxergue uma espécie de doping tecnológico. Em 2008, a Corte Arbitrária do Esporte (CAS) deu ganho de causa a Pistorius numa batalha judicial.
Depois de chegar às semifinais no mundial de atletismo em Taegu, e às vésperas da Olimpíada de Londres, Pistorius é hoje uma celebridade, com direito a poses sexy em propaganda dos perfumes Thierry Mugler. Aos 25 anos, o astro não vê com naturalidade sua condição de astro: “A discussão deveria ser sobre educar as pessoas para o fato de que todos temos muitas habilidades”, diz. “A deficiência é uma parte muito pequena para que a gente se concentre tanto nela.”
Mas o fato é que todos estão concentrados nela. Há poucas semanas, o campeão olímpico dos 400 metros LaShawn Merritt veio a público questionar o veredito da CAS e pedir novas análises técnicas da Cheetah Flex-foot. Os 400 metros é a prova que Pistorius sonha competir na Olimpíada. Até agora, o principal argumento contra Pistorius veio de testes encomendados em 2007 pela Federação Internacional de Atletismo. Neles, especialistas concluíram que o africano conseguiria alcançar velocidades semelhantes às dos atletas normais usando menos energia.
No entanto, o time de advogados contratado pelo sul-africano foi buscar seu próprio estudo, na Universidade de Rica (EUA), em que dois especialistas em biomecânica apontaram para dois pontos interessantes. O primeiro foi que os testes anteriores tinham apenas considerado o comportamento da Cheetah Flex-Foot quando Pistorius correu numa reta, enquanto a prova dos 400 metros tem duas curvas, o que em tese representaria desvantagens para usuários de próteses. O segundo, e que pareceu convencer o painel da CAS, é que a biomimética ainda é incapaz de fazer com que o sul-africano compense a ausência de músculos e tendões debaixo dos joelhos, sobretudo para “explodir’’ na largada. Até o fechamento desta edição, a participação de Pistorius na Olimpíada ainda estava por ser decidida pelo Comitê Olímpico Sul-africano.
“Tem sido difícil ter que ir aos tribunais para provar que não estou levando vantagem sobre ninguém”, diz. “Acho que está provado que as próteses não me ajudam a ser mais rápido nem mais forte. Eu só penso em fazer o meu trabalho.’’ Com tanta polêmica, Pistorius sabe que “seu trabalho” e sua luta para correr tanto em competições oficiais quanto em paraolímpicas simbolizam uma enorme quebra de barreiras. “Não acho que tenha chances de medalha”, diz. “Participar já seria um sonho, pelo desafio de manter minha competitividade em alto nível entre os melhores atletas do mundo. Quero chegar o mais longe possível, porque acredito que as pessoas devem ter a chance de tentar ser o melhor que puderem. No fundo, acho que parte da reação negativa contra minha participação nas corridas normais é motivada pelo temor do impacto crescente que a tecnologia vem ganhando em nossas vidas”, filosofa.
Atualização: No dia 5 de julho Pistorius foi convocado a fazer parte da equipe de revezamento 4×400 metros da África do Sul e vai participar dos Jogos de Londres. Ele integrará a equipe com Willem de Beer, Ofentse Mogawane e Shaun de Jager. O Comitê Olímpico Sul-Africano garantiu que ele vai aos Jogos por causa de suas conquistas esportivas, não por ser o atleta deficiente mais famoso do mundo. Ao lado do americano George Eyser (Olimpíada de 1904, em Saint Louis) e do húngaro Oliver Halassy (Jogos de 1928, 1932 e 1936), Pistorius integra o restrito grupo de deficientes físicos a participar de uma Olimpíada.
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