Kevin Costner da Caatinga

por Arthur Veríssimo
Trip #218

Arthur Veríssimo se infiltra no time de seguranças de Zezé di Camargo & Luciano

Em mais uma missão adrenalizante, nosso repórter excepcional se infiltra no preparadíssimo time de seguranças de Zezé di Camargo & Luciano e, com a galhardia que lhe é peculiar, não deixa o show parar

A vida é um contêiner de surpresas e eis que, desta vez, me apanho em ambiente inóspito, como parte de uma egrégora de seguranças vestidos com sua clássica indumentária, a saber: terno escuro, gravata lisa, sapato engraxado e, o mais importante de tudo, o carão. A única coisa que me diferencia de meus colegas é minha cabeleira, que não segue o padrão cabelos rentes e aparados da Forceseg, empresa que presta serviço de segurança pessoal. Tento disfarçar a juba, que parece um xaxim da Serra da Mar. Afinal, sou integrante do time. E nossa nobre função é zelar, veja você, pela integridade da dupla romântica Zezé Di Camargo & Luciano.

Atento, acompanho sem piscar os olhos as orientações sobre como proceder. O líder, Weder Godoi, delega as tarefas antes de cada show. O time é composto de cinco homens (sou o sexto elemento). Leais, treinados, disciplinados e prontos para qualquer situação. Recebo, atento, a minha missão: acompanhar e observar o zum-zum dos fãs diante da movimentação no palco.

Até aquele momento, os ídolos sertanejos ainda não haviam chegado ao Credicard Hall. A expectativa é aparentemente tranquila. Sou convocado para fazer uma ronda com meu novo colega, Rafael Krewer, pela parte interna do Credicard Hall, entre as mesas e o palco. Rafael é meticuloso com as estruturas e o posicionamento das cadeiras e mesas próximas ao palco. Depois de analisar milimetricamente e aprovar, acerta os últimos detalhes com a chefia de segurança da casa de espetáculos. Até o presente momento, tudo está nos conformes.

Pelo rádio, Krewer recebe a informação de que a dupla vendedora de 36 milhões de discos já está nas proximidades. Sigo os passos determinados de Rafael e me posiciono atento diante dos camarins. Luciano é o primeiro a se aproximar, com um largo sorriso exalando simpatia e camaradagem. Na sequência, surge Zezé, rodeado de seu séquito de amigos e convidados.

Durante um bom tempo fiquei como um obelisco, postado diante do camarim olhando o comportamento das privilegiadas fãs – raras são as que conseguem falar com os ídolos antes dos shows. Luciano atende algumas delas e, em seguida, vem trocar prosa conosco, os seguranças. “Eu e o Zezé temos dois seguranças fixos, o Alex e o Sebastião”, conta. “Quem manda na nossa vida são eles. Muitas vezes, tenho que aguardar no carro ou em casa até receber o sinal verde do Alex. O Sebastião está comigo há 14 anos. Dirige pra mim, respira o ar que eu respiro.”

Luciano conta que eles passam por cursos e treinamentos especiais. Recentemente, estiveram na SCAP Táticas Defensivas, uma escola em Castanhal, interior do Pará, considerada uma das melhores do mundo. “Sou disciplinado para obedecer aos seguranças. Aqui a gente conversa, ri, brinca, mas as situações do dia a dia são bem mais complicadas do que as dos shows.” Zezé se aproxima e complementa: “Nas viagens, eles precisam estar em estado de alerta 24 horas ao redor dos nossos movimentos. São os seguranças que coordenam a logística em todas as cidades e casas de espetáculo onde nos apresentamos”.

Mãos à obra

Rafael Krewer me chama para a última inspeção antes do início do show. “Não cruze os braços” – ele chama a minha atenção para os detalhes. “As mãos têm de ficar entre o umbigo e a genitália, e aquela mais habilidosa por baixo.” Acaba de cair o mito de que segurança bom é segurança marrento, de braços cruzados. Outra dica: ficar atento às mãos de quem se aproxima. “O que agride não são os olhos, são as mãos. E não importa o público, por mais que o conheçamos, não podemos nos descuidar das mãos. Um bom segurança não impede a plateia de se aproximar do artista. Só não pode puxar cabelo, arrancar roupa, morder.”

Chega de teoria: os portões foram abertos e, minutos depois, duas ardorosas fãs já estão grudadas no pescoço de Rafael. Querem, desesperadamente, ver, fotografar, tocar em seus ídolos. É a hora de o meu tutor mostrar sua sapiência. Rafael dá o mapa da mina e explica que há uma assistente da dupla, chamada Camila, a quem foi delegada a missão de agendar os encontros no camarim após o show. Educado, mas encerrando o assunto, Rafael passa o telefone de Camila às fãs e rapidamente se coloca a postos para o show que vai começar.

Por um bom tempo fiquei como um obelisco, postado diante do camarim, olhando o comportamento das fãs

O chefe de segurança do Credicard informa que está tudo OK. Pelo rádio, Rafael dá o sinal verde para Weder. As cortinas sobem e as explosões de luzes e percussão introduzem “Sonho de amor”, sucesso recente da dupla. Àquela altura do campeonato, já havia incorporado o Kevin Costner da caatinga. Meu olhar de águia repousava sobre a plateia, detectando como por instinto os movimentos das mãos das cercanias. Os filhos de Francisco soltam a voz e o show esquenta.

A interação entre artistas e público é impressionante, mesmo para quem não é muito afeito ao pop romântico de herança sertaneja. O êxtase é coletivo, mas devo manter a compostura. Sou um totem entre os seguranças da casa, impávidos, de costas para o palco e atentos ao público. Flashes disparam, celulares captam imagens. Explode o coral feminino de centenas de vozes. Lágrimas vertem de olhos apaixonados. Famílias se abraçam, casais se entrelaçam e se beijam. Nada disso importa. Meu negócio é olhar para as mãos.

Um de meus colegas me dá a deixa para ir à outra extremidade do palco. No trajeto, uma senhora me aborda e, com muita delicadeza, pede para ver os ídolos. Essa merece: veio de Manaus especialmente para assistir ao show e, quem sabe, trocar algumas palavras com a dupla. Conforme o exemplo de Krewer, passo o telefone de Camila e dou as orientações devidas. O olhar da manauara é de uma criança agradecida.

Recebo a orientação para ir até os camarins. Zezé está empreendendo uma troca de figurino e minha missão é me posicionar em um ângulo tal que evite surpresas, como alguma fã surgindo do além. Vestido, antes de retornar ao palco, Zezé interrompe seu trajeto e, sério, para ao meu lado e me pergunta: “Arthur, o que eu faço agora?”. Por uma fração de segundo, fico travado. Zezé solta uma sonora gargalhada e entra no palco. Ufa, posso seguir minha ronda.

A plateia se alvoroça com os mega-hits “É o amor” e “Menina veneno”, mais explosões de luzes e cores e pronto. Quatro horas depois de começar minha saga de segurança, a missão está cumprida. Zezé Di Camargo e Luciano voltam inteirinhos para seus respectivos lares, ovacionados pelo público. E eu me preparo para repousar meu corpo moído, com a certeza de sonhar com as mãos e mãos que ficaram gravadas na minha retina.

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