Jornalista por acidente

por Diogo Rodriguez

Acostumado a encarar líderes criminosos, o ex-ator britânico Ross Kemp agora visita a Amazônia

O britânico Ross Kemp, 46, foi ator de sucesso considerável nos anos 90, época em que protagonizou uma novela  popular na Inglaterra, EastEnders. Até prêmio da academia britânica de atores (BAFTA) ele levou, mas não era bem isso que ele queria. "Minha ex-esposa trabalhava no The Sun e meu irmão faz documentários e eu era o ator idiota da família", avalia.

"Por acidente", depois de um breve período como reitor da Universidade de Glasgow, teve a iniciação no jornalismo investigativo. O ofício o levou a conhecer e entrevistar traficantes de drogas, neonazistas russos, hooligans poloneses e homens-bomba palestinos. Um dia, em visita aos EUA, topou com um membro da gangue "Bloods", arquiinimigos dos "Crips", em St. Louis. Depois de passar algumas horas conversando com aquele homem, baleado 26 vezes, percebeu que aquela era uma ótima história. Ladeira abaixo, Kemp conversa com os homens mais perigosos do mundo desde 2006 com seu premiado programa Ross Kemp On Gangs e outros especiais sobre o Oriente Médio e o Afeganistão. Ele diz que seu medo não é importante se comparado ao das pessoas que vivem nos locais que visita: "Elas lidam com mais merda durante um dia do que ele jamais irei lidar".

Sua mais recente aventura televisiva foi uma viagem pela Amazônia para fazer uma avaliação do estado da floresta. Kemp cruzou com mineradores raivosos, comunidades indígenas desamparadas e garotas que são forçadas a serem prostitutas. Pelo telefone, conversou com a Trip sobre o novo programa (Luta Pela Amazônia, no ar pelo Discovery Channel), seus métodos para lidar com o medo e se sentiu à vontade para fazer uma pergunta ao repórter.

Você começou a carreira como ator. Como se interessou pelo jornalismo?
Por acidente. Minha ex-esposa trabalhava no The Sun e meu irmão faz documentários e eu era o ator idiota da família. Por acidente, conheci um membro da Bloods, uma gangue de Los Angeles, um homem que foi baleado 26 vezes. Ele era muito interessante, conversei com ele e achei que seria um ótimo personagem para um filme. Começamos fazendo com ele e fizemos mais e mais e mais. Seis anos depois, aqui estou eu falando com você no telefone.

A partir do que você viu na Amazônia, o que mais te preocupou?
Muitas coisas. Depende de onde você vai. Há um lago no Peru onde primeiro se achou petróleo. Do cano que eles colocaram no solo para verificar quanto óleo havia, deixaram ali e cobriram com terra. Destruíram a floresta. Afetou todos os que moram no entorno e os animais. Se você quer falar do Brasil, há um lugar chamado Novo Progresso. As pessoas simplesmente ateiam fogo na área em que querem limpar. O Brasil é um dos países que se desenvolve mais rápido no mundo e também tem o mundo em suas mãos. Eu sei das coisas ruins que os europeus fizeram para o ambiente nos últimos 150 anos. Acredito que os brasileiros são o povo mais sortudo do planeta por ter esses recursos. No entanto, acho que a comunidade internacional deveria andar de mãos dadas com o governo brasileiro, o boliviano, para que se assegure que o recurso natural mais importante seja preservado.

Então, sua opinião é a de que a comunidade deveria se envolver mais?
Sim, mas não a ponto de interferir com a soberania brasileira. Mas, há 90 companhias ali. É preciso dar opção [às pessoas que trabalham na floresta] porque tudo o que estão fazendo é tentar alimentar suas famílias. A comunidade internacional tem a obrigação de encontrar uma maneira diferente de remunerar essas pessoas, para que elas não destruam. Não sou alguém que acredita que estrangeiros devam ir a um país e dizer o que ele deve fazer. É o seu país e vocês devem tomar a liderança.

Os perigos que você correu na Amazônia foram parecidos com os do programa Gangs?
Nem um pouco. Foi perigoso com os mineiros, que ficaram muito nervosos. Nós expusemos alguns deles que destroem a floresta no Peru. Também foi difícil com as garotas que são forçadas a serem prostitutas.

Você já esteve em zonas de conflito por todo o mundo. Como lida com o medo?
A série nova que eu fiz passou por Congo, México, Chicago, Haiti. Já estive no Afeganistão seis vezes. Vi crianças serem mortas, quase fui morto. Se você acha que é necessário ser uma pessoa especial para fazer isso, há pessoas  que lidam com mais merda durante o dia do que eu jamais irei lidar. Há pessoas muito qualificadas do que eu para lidar com o perigo. A vida é muito curta e eu sou um homem de sorte.

Como você faz para...
[Interrompe] Posso te fazer uma pergunta?

Claro.
Onde você mora no Brasil?

Em São Paulo.
Você sabe como a vida é em São Paulo, vamos lá!

[Risos] Sim, mas eu nunca fiquei de frente com um chefe do tráfico...
São Paulo pode ser um lugar perigoso.

Como você faz para entrar em contato com essas pessoas: traficantes, gângsteres, hooligans? No Morro do Boréu, seu anfitrião foi o MC Catra.
Sim, e ele foi muito bom. Quanto mais você faz isso, melhor fica. Esteja você na África, nos EUA, na Colômbia, El Salvador ou Brasil, tem que confiar na pessoas que estão ao seu lado. Tenho uma equipe de ótimos jornalistas e pesquisadores e somos próximos. Passamos tempo juntos, bebemos juntos, juntamos as famílias, comemos frango juntos, discutimos futebol. A partir disso, partimos para o campo. Temos que confiar uns nos outros antes de podermos fazer isso.

Qual foi a situação mais perigosa que você já enfrentou?
Acho que quando atiram em você no Afeganistão é um pouco perigoso, com pessoas morrendo por perto. Na África, estive num hospital onde estavam mulheres que tiveram suas mãos cortadas antes de ser estupradas por um grupo. Uma vez que os homens terminavam de estuprá-las e enfiar pedaços de madeira em seus ânus e vaginas, eles enfiam uma garrafa de água. Algumas delas tem de andar por 200 milhas, vários dias, para chegar a um hospital e remover a garrafa. Essas coisas me chateiam.

Sua visão a respeito da natureza humana mudou desde que você começou a fazer o programa?
Tenho 46 anos, viajei o mundo. Em todos os lugares em que estive há pessoas boas. Ás vezes estão em menor número, mas sempre há boas pessoas. Minha fé na natureza humana não é cínica.

Luta pela Amazônia por Ross Kemp
Discovery Channel
Todo domingo às 21h

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