Jornalismo como uma brisa suave
Ainda bem que há Nelson Motta para negar o clichê de que jornalista tem que ser pentelho
Nelson com o elenco da gravadora Philips em 1966: Edu Lobo, Tom Jobim, Torquato Neto, Paulinho da Viola, Eumir Deodato, Luiz Eça, Caetano Veloso, Luiz Bonfá, Braguinho e vários outros: 'Jamais entrei nessa de que jornalista precisa ser temido' / Créditos: Acervo pessoal
em 13 de agosto de 2012
Em tempos de interatividade, informar é igual a destruir. Ainda bem que temos Nelson Motta para negar o clichê oficial de que jornalista tem que ser, necessariamente, um pentelho
Andy Warhol não previu que no futuro todo mundo seria jornalista por 15 minutos. Muito menos que o matiz dessa nova tradução de mass media seria tão marrom (como prova o espaço aberto para comentários de leitores nos sites de notícia, sempre um sambaqui de bytes frívolos e rancorosos, uma caricatura do que há de pior no jornalismo).
Uma das primeiras consequências da interatividade digital foi a de sugerir que a massa parece mesmo querer uma mídia ainda mais futriqueira e destrutiva. Um passeio de olhos pela lista das notícias mais lidas nos grandes portais não deixa a menor dúvida: o que importa mesmo na vida é pinimba de futebol e fofoca de celebridade.
Sim, é claro que essa abordagem rasteira da existência tem exceções. E são tantas que a gente pode viver só delas, fechando os narizes para o lixo digital, enchendo o peito com a quantidade inédita de informação boa que a tecnologia também traz. É sempre perigoso olhar essas mudanças tecnossociais com o viés de uma moral de costumes. Mas ainda mais perigoso é não enxergar uma tendência tão aviltante. A liberdade de expressão é sagrada, mas o fluxo impensado de bits, o excesso de expressão eletrônica, profissional ou não, é também uma grande fonte de poluição numa época já lotada de resíduos materiais e virtuais.
Nesse cenário de nuvens paradoxais, a presença longeva de um Nelson Motta na cultura de massas brasileira cai como se fosse uma brisa suave soprada pela boca etérea de um Dorival Caymmi. Salve simpatia. O homem ficou amigo de praticamente todos os ícones do pop nacional e conseguiu extrair desta convivência um jornalismo arejado, conhecedor e – por que não? – construtivo. Daltônicos os que veem uma opção chapa-branca. Ao contrário, Nelson nunca aceitou se enquadrar no clichê oficial de que jornalista tem que ser necessariamente um pentelho.
É verdade que há pentelhos essenciais no jornalismo. Muitos. Destruir também é preciso. E confesso que eu mesmo já achei Nelson Motta suave demais, como nos momentos em que ele interagia na TV com o rebolado intelectual de cabrocha doida do Paulo Francis, justamente a eterna madrinha da bateria do jornalismo destrutivo. Mas se eu dissesse que Nelson faz um jornalismo cordial brasileiro, eu não só correria o risco de ser tão mal interpretado quanto o fundador da ideia, Sergio Buarque de Holanda, como estaria simplesmente enganado.
Nelson também sabe endurecer sem perder a ternura. Uma prova é a relação sagaz que ele fez entre a ascensão da música sertaneja e a era Collor, o presidente que melhor representou uma cafonice emergente que infelizmente não pode ser submetida a impeachment e ainda vige solta por aí. Outras provas, semanais, são as colunas curtas e finas em que as mazelas da política são devidamente tratadas. Em diferentes mídias, Nelson Motta faz um jornalismo bossa-nova, ou seja, tranquilo, swingado, sempre atual e, sobretudo, muito mais complexo do que parece. Ele, que sempre cita os mestres que teve na carreira, é um mestre também.
*Carlos Nader é documentarista e faz parte do conselho editorial da revista Trip
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