Nostalgia é como um rio de águas quentes e doces que não leva a lugar nenhum
Nostalgia é como um rio de águas quentes e doces que não leva a lugar nenhum. A memoria é seletiva, truqueira e retoca nossas lembranças sob medida. Por isso, nunca olhe para trás
Os bons e velhos dias, assim como o rock, nunca morrem. Mas, não se engane, eles não acrescentam nada na linha do tempo para quem quer construir o futuro. A cada dia que passa, a chance de reescrever o destino fica mais limitada e, se o passado – com seu canto de sereia – parece nos empurrar para um estado do tempo em que as coisas eram melhores, só no futuro é que se pode focar o olhar.
Se o olfato é o mais nostálgico de todos os sentidos e serve para estimular a memória, ele opera randomicamente; um perfume aqui, um cheiro ali abrem portas na memória que nos conecta com o passado e desenterra sensações esquecidas. Mas é através da fotografia que se pode ter a ilusão de capturar o tempo perdido. Ilusão inútil, como todas as ilusões. Tente retirar da gaveta, ou da prateleira mais alta do armário, o álbum de fotos de seus pais e passar os olhos sobre as imagens de sua infância. O máximo que se percebe é o universo enquadrado dentro da foto. Dificilmente você vai se lembrar do que acontecia ao lado da imagem registrada e muito menos do que se passava atrás de quem registrou aquele momento.
A memoria é seletiva, truqueira e retoca nossas lembranças sob a medida do momento. Da mesma maneira como Stalin e Mao Tsé-Tung mandavam apagar as pessoas que caíam em desgraça, nossos neurônios também conseguem deletar pessoas inconvenientes e os momentos desagradáveis. Sempre vai existir quem não se esqueça de uma humilhação, de um momento ruim e procure forças neles para poder se vingar do passado. Mas aí, então, isso não é nostalgia, entra no capítulo do rancor. E é uma outra história.
PASSADO DESFIGURADO
A nostalgia é como um rio de águas quentes e doces que não leva a nenhum lugar. A memória se acomoda no lago do passado desfigurado sob medida pelas nossas lembranças. Um estado de contemplação e autoindulgência que não indica nenhum caminho a seguir. Porque o caminho só se constrói com a soma das experiências que são o motor que empurram nosso conhecimento. Senão é como tentar dirigir um carro olhando apenas pelo retrovisor. O futuro aos deuses pertence enquanto o passado se esfarela em mil pedaços que o vento transforma em detalhes insignificantes.
Marcel Proust – o rei da nostalgia literária – escreveu: “Les expériences plus dramatiques, dont les plus intenses, ne nous seraient jamais révélés parce que la lenteur avec laquelle ils se produsient nous on en ôte la perception”. O que pode ser livremente traduzido por: “As experiências dramáticas, que são as mais intensas, nunca nos serão reveladas porque a lentidão com que elas se produzem nos sequestram a percepção”.
Por isso, nunca olhe para trás. Porque, como disse Beyoncé: “Você não pode consertar o que não pode ver”.
*J. R. Duran, 59, é fotógrafo e escritor. Seu Twitter é @jotaerreduran