Internet, a máquina do esquecimento

por Ronaldo Lemos
Trip #229

Um estudo mostrou que, a cada ano, 10% do que é publicado na rede simplesmente desaparece

Um estudo mostrou que, a cada ano, 10% do que é publicado na rede simplesmente desaparece. É só pensar na cobertura feita pela Mídia Ninja dos protestos que assolaram o país em 2013. Onde estão esses registros? Nem os Ninjas sabem mais

Sabe aqueles velhos álbuns de fotos empoeirados esquecidos em algum lugar da casa? Aqueles em que filhos descobrem que os pais tinham cabelos compridos, bigode e usavam calça boca de sino? Por incrível que pareça, eles são uma tecnologia mais confiável para guardar lembranças pessoais do passado do que tudo o que existe hoje de mais moderno e tecnológico.

A internet (e tudo o que se conecta a ela) transformou-se em uma máquina do esquecimento, especialmente para lembranças pessoais. Um estudo recente mostrou que a cada ano cerca de 10% de tudo o que é publicado na rede simplesmente desaparece ou se torna inacessível (bit.ly/1akkCcp). A situação é especialmente grave para registros de eventos importantes feitos por transmissão ao vivo pela web (o chamado streaming). É só pensar na cobertura realizada pela Mídia Ninja dos protestos que assolaram o país em 2013. Onde estão esses registros? Como acessar e estudar o material, agora com maior distanciamento? Nem os Ninjas sabem mais. Muitos links se perderam, seja porque sumiram da rede, por falta de organização, ou porque foram arquivados em algum lugar que ficou inacessível.

Para memórias pessoais a situação é ainda mais dramática. Tirar fotos tornou-se prática comum e conveniente. Todo mundo anda hoje com uma câmera de celular no bolso. Só que, depois de um tempo, para onde vão as fotos que tiramos no celular ou mesmo em câmeras digitais? Basta fazer um teste. Procure pelas fotos tiradas há cinco, seis ou sete anos. Certamente vai ser mais fácil encontrar o empoeirado álbum de fotos da família do que o memory card da velha câmera digital.

Mais do que isso, vivemos na era da obsolescência programada. Os produtos tecnológicos não são feitos para durar. Ao contrário, ficam velhos e precisam ser trocados em dois, três anos no máximo. E muito se perde nessas trocas. Mais do que isso, os padrões mudam o tempo todo. Os formatos de arquivo tornam-se incompatíveis, cabos e conectores mudam de formato, tornando a vida de quem quer preservar o passado recente um verdadeiro suplício.

I-CLOUD E DROPBOX

Claro que há empresas vendendo soluções para essa questão. Google Drive, iCloud, 
Dropbox e um enorme número de aplicativos que prometem armazenar nossas informações pessoais “para sempre”, em troca de uma modesta taxa. Só que basta um cartão de crédito vencido ou uma anualidade não paga para colocar tudo a perder. Além disso, empresas de tecnologia também desaparecem. Quem se lembra do Geocities ou do Friendster, sites populares que desapareceram levando junto com eles as memórias de milhões de usuários?

A conclusão talvez seja de que estamos construindo uma sociedade que vai ficar cada vez mais presa no presente. Uma sociedade antinostalgia. Para muitos essa pode ser uma perspectiva assustadora. Mas tem gente que vai gostar. Especialmente aqueles que acreditam que mais importante do que a nostalgia é ter boas ideias para o futuro.

*Ronaldo Lemos, 37, é diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu Twitter é @lemos_ronaldo

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