Imensidão Azul do Rio de Janeiro

por Luiz Alberto Mendes

Nosso colunista vagou pela orla carioca e conta como foi seu reencontro com o mar

Era como se eu tivesse sido solto naquele momento. De repente, estava só, a caminho do mar. Saí caminhando lentamente, lambendo com os olhos aquilo tudo o que era vida.

Cheguei à Lagoa Rodrigo de Freitas

Fui costeando-a, como um navio que estuda a costa depois de muito tempo em alto-mar. Meus olhos deslizaram pelas águas escurecidas, questionando cada um daqueles barquinhos. Que histórias contariam? Que águas teriam navegado? O sol brilhava transpassando nuvens e caindo como uma cortina de luz sobre a lâmina d'água.

Tudo estava grávido de presente. Minha liberdade era um fato que se consumava na fluidez da vida. Estava de tênis, jeans e camiseta, bem à vontade, solto por dentro e por fora. Jovens voavam em bicicletas, skates e outros OVNIs desconhecidos.

O vento rodopiava, enchendo de oxigênio meus pulmões. Tudo era movimento, um infinito reservatório de vida. O futuro sorria doce em seu feixe de projetos, de possíveis esperanças que se manifestavam em minha liberdade de ser e estar. Andei longas ruas de pouca gente, sentindo que não havia margens ou fronteiras.

Cheguei a Copacabana

Ao mar. Aquele cheiro inconfundível de energia e força invadiu a alma. Fiz questão de não vê-lo, de não cumprimentá-lo. Há décadas não o encontrava. Preferi seguir pelo calçadão da Atlântica como quem vai para o Leme. Era o fim da praia. Então, como um monge, me preparei para a reverência do encontro.

Tirei a roupa, ainda no calçadão, junto à areia. Fiquei de sunga. Enrolei calça, camiseta e tênis num pacote só. Coloquei tudo debaixo do braço e afundei os pés na areia fofa.

Fui andando, com certa dificuldade, até alcançar a areia molhada. Então, olhei-o ao fundo com os olhos lacrimejando de amor pela vida, explodindo em ondas espumantes. Comecei a existir de verdade, saindo daquela vida em que apenas funcionava. Era amor, fé, floração de mim mesmo na contínua aventura de viver.

Paixão azul

E para não acabar de joelhos, chorando feito criança, sai andando com os pés na água, olhando os navios ao longe. Do céu, o sol se derramava em amarelo. As ondas se quebravam em minhas pernas quase a me derrubar, como um amante ansioso. E fui andando praia afora.

Olhava as sereias com suas bundas redondas e seus corpos morenos, como se houvessem engolido o sol com a pele. Faziam parte da natureza. Apenas reduzidas tiras de pano a cobrir pequenos detalhes. Jovens corriam em pranchas por cima das ondas. Eu olhava abestalhado. Como é que conseguem? Toda aquela fluidez, e eles por cima de tudo? Tinha certeza de que afundaria e morreria afogado, se tentasse.

As grades, as muralhas e os guardas desapareceram. Mas os amigos ainda presos enchem minha alma de compaixão. Como podem viver separados de tamanha magnitude? Chorei. Como eu queria que estivessem ali! Como gostaria de vê-los pular de alegria diante de toda aquela paixão azul a mover-se em prata!

Caminhei toda a praia de Copacabana até o Arpoador

As pessoas estiravam seus lindos corpos sob o sol e banhavam-se despreocupadas. Ninguém me observava. Aliás, ninguém cuidava da vida de ninguém. Território livre.

Segui andando pela praia de Ipanema, com as pessoas jogando frescobol, futebol e vôlei entusiasticamente. Eu pensava no enorme engodo que é tudo fora daquela alegria de viver das pessoas. Porque tudo, no fundo, nasce da necessidade de sobrepujarmos obstáculos e dificuldades.

E para quê? Para estarmos despreocupadamente felizes, como aquela gente ali.

Logo estava no Leblon

Ali tudo parece mais bonito ainda. Havia muito mais gente na areia, parecia coisa de comunidade, de amigos, de fraternidades. As pessoas pareciam mais belas, mais bem cuidadas. As crianças misturavam medo e vontade das ondas, na areia, sorrindo e gritando felizes. Não eram diferentes de mim.

Em queda livre, voltava para dentro de meu coração selvagem. Vesti a roupa, mesmo todo salgado, e segui pela rua Vinícius de Morais, de volta para casa.

*Luiz A. Mendes, 50, cumpriu a pena máxima prevista pela justiça brasileira, 30 anos, por assalto e homicídio, e acaba de recomeçar a vida. Seu e-mail é: l.mendesjr@ig.com.br

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