por Fernanda Young
Trip #166

Para exorcizar demônios pessoais, a musa encarna Amy Winehouse

Quem não tiver uma Amy Winehouse dentro de si que se apresente. Vai se apresentar para uma platéia vazia, obviamente, pois nessas ninguém está interessado. Mulheres que não admitem a sua dor – aquelas que são perfeitamente esquecíveis – não merecem nenhuma poesia, ou rascunho, ou rápida melodia, pois se recusam a abrir mão do conforto de uma farsa em nome de uma verdadeira vocação: a de sofrer belamente.

O Drummond escreveu que “a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional”. Um verso bonito, além de sábio, porém tipicamente masculino. Mulheres não sofrem por opção, sofrem por evolução. Nós sofremos porque percebemos coisas que os homens ainda não são capazes. Talvez, um dia.

Não há, portanto, a mulher que não sofra – há a que não se mostra. Já que o sofrimento é, para nós, uma espécie de vestido lindo, antigo e bem adornado; um Paul Poiret. À nossa disposição, no cabide. Então usaremos essa roupa, não tenham a menor dúvida. E algumas de nós o farão em público, deslumbrantemente. Como é o caso da Amy.

Você olha para ela e vê que aquela é sua maior aptidão: existir sob esse manto raro, por vezes sombrio, que a cobre. Não há nada em Amy Winehouse que não seja genuíno, e isso consegue ser gritante em sua música suave enquanto doce em sua aparência rude.

Atraente e repugnante ao mesmo tempo. Linda e digna de pena. Ora, pode haver imagem mais explícita da crucial inconstância feminina? Óbvio que é disgusting vê-la toda borrada, sem um dente, com sapatilhas a lhe denunciar as picadas que dá nos pés. Mas também é maravilhoso vê-la tão pequena, antiga de tão moderna, na medida que só os autênticos conseguem ser, e se equilibrar. Mesmo que essa idéia, a de equilíbrio, não pareça muito adequada à Amy. Para mim, é.

Amy Winehouse é um acontecimento secular, tipo Billie Holliday, Edith Piaf. A gente não tem como exigir higiene, ou conduta, ou senso de preservação, ou auto-estima, dessas mulheres. Seria pedir demais.

Como dizer para essa moça o que ela talvez devesse ouvir? “Ei, Amy, deixe esse cara pra lá, ele não vale tanto a pena.” “Ei, Amy, faz o seguinte: toma no máximo cinco cervejas quando for ao pub.” “Ei, Amy, fume seu baseado, mas deixe o resto de lado.” Imagina a cara que ela iria te olhar?

Pela Amy Winehouse, sinto essa contradição, acho, parecida com a de todas as mulheres. Eu me identifico com a delinqüente, e a mulherona que cobre o Blake de porrada, mas me preocupo, como uma mãe com uma filha, a ponto de rezar por ela todas as noites. Uma reza sincera, para que Deus a proteja, igual faço pelas minhas meninas.

Amy, olha só: você é tão jovem. E quando fico emocionada tenho essa mania, cafona e burra, de usar reticências. Mas não!. Para a Amy Winehouse, não cabem emocionalidades baratas. A triste junkie que habita em mim não suportaria parecer uma mãezona dócil que faz promessa.
Então, mais uma dose. Por que que a gente é assim?

BAD GIRLS INJUSTIÇADAS
Por que bad boys são “os fodões” e bad girls são “as fodidas”? Por que os bad boys são símbolo de liberdade e as bad girls são presas para servir de símbolo? Por que bad boys são assim por rebeldia e as bad girls são assim por sem-vergonhice?
Aparentemente, o mau comportamento ficou de fora das conquistas feministas. Então que seja esta nossa nova luta: pela igualdade de direito de errar. Direito de fazer o que não se deve. De chegar em paz ao fundo do poço.

Dean Martin, Frank Sinatra, Sammy Davis Jr. e aquele outro, que eu esqueço o nome, bebiam todas, consumiam tudo, comiam qualquer uma – e eram o charmosíssimo “rat pack”.

Britney Spears, Lindsay Lohan, Paris Hilton e aquela outra, que eu também esqueço o nome, bebem uns champanhes a mais, tomam uns analgésicos, dão umas batidinhas de carro – e são as vadias bêbadas e drogadas de Hollywood.

É, o machismo acabou só para as caretas. Para as doidas continua valendo. Acho, inclusive, que as próprias mulheres têm culpa nesse atraso. Notoriamente mais competitivas entre elas, não competem apenas com a colega do lado, mas com todas as mulheres do mundo.

De Marilyn Monroe a Anna Nicole Smith, todas morreram sem uma amiga do lado. Por quê? Porque mulheres não são companheiras na sarjeta. Homens são. Ou seja, encontramo-nos no ponto em que, juntos, chegamos. Não sei se tem alguém torcendo contra a Amy Winehouse, no momento, mas, se tiver, é mulher.
Eu? Eu torço por ela mais do que pela seleção brasileira.

SOPHIA LOREN MEXICANA
Minha implicância com conversas moles é tanta que nunca atendo telefones. Atendo o celular, mas só quando a chamada vem identificada. E ele pouco toca, pois vivo trocando de número. Adoro celular – confesso que ele funciona quase como uma extensão de mim. Mas preciso dele o mais quieto possível, já que, por alguma das minhas mil carências, jamais o desligo.

Quando Giselle me ligou, eu estava distraída – ou talvez aguardasse surpresas, vindas do DDD do Rio. Por isso atendi um número que não reconheci.

Com uma voz segura, mesmo que em um tom emotivo, não disfarçado, ela disse quem era, como tinha conseguido meu celular e pediu para me mostrar umas fotos. Revelou que adorava o meu trabalho e que, quando ficasse mais velha, queria ser como eu.

Como? Mais velha?? Como eu???
Giselle disse que estava vindo para São Paulo e, qualquer dos próximos dias, qualquer horário, para ela seria bom.

Gente, “me mostrar umas fotos”? Que que ela quer comigo? Poderia me fazer de maluca – coisa que, para mim, não é exatamente difícil – e dizer que estava de viagem marcada para não-sei-onde, ou que não-sei-quem morreu. Mas a Giselle é tão bonita que resolvi conhecê-la. Sim, senhoras e senhores, só topei encontrá-la porque ela é bonita.

O fato é: se a Giselle Itié liga para você, querendo lhe mostrar qualquer coisa, você topa. Seja você homem, mulher, hétero, gay, papa ou presidente da República.
Pois bem, nosso primeiro encontro foi breve, pontuado pela honestidade. Ela começou falando um pouco sobre o quanto se identificava com a música da Amy Winehouse e que, apesar de não ser autodestrutiva como a cantora, compreendia aquela dissolução e carência. Sensação que nos leva, mulheres, a um desespero sem trégua, em nome do suposto amor.

Eu não só concordei, como assumi que também tinha uma Amy guardada em mim, sempre à espera de um Blake. E que esta é a grande loucura feminina: essa absoluta necessidade do olhar do outro, objeto de nossas inseguranças, nem sempre escolhido com bom gosto.

Foi quando ela me mostrou as fotos. E elas me comoveram. Por um instante, antes de vê-las, temi que tivessem ficado caricatas, ou fashion, tipo editorial de revista. Mas não. Não vi uma atriz na pele de uma personagem. Vi a pequena Amy Winehouse na pele de Giselle, uma morena grande, meio brasileira meio mexicana, que mais parece uma estrela italiana da década de 50.

Aceitei escrever este texto, para acompanhar as imagens. E me envolvi, com palpites, na realização de novas fotos; pois Giselle fez questão de se dedicar em fazer jus à musa bad girl. Com o carinho de não deixá-la mais sensual do que a sua dor permite.
Tomara que eu tenha feito tão bom serviço quanto ela. E tomara que Giselle venha logo a saber que ela já é como eu: uma mulher de coragem.

* Fernanda Young é escritora e roteirista

Créditos

Coordenação geral Adriana Verani Produção Bia de Luca Assistentes de fotografia Lucas Cremasco e Milena Mendes Make/hair Cesário Carvalho Estilo Giselle Itié Agradecimentos Miki Shimosakai, Nilta Cabeleireiros, MMartan, Desmobilia (11) 3062-3408 sp@desmobilia.com.br Créditos de moda Clube Chocolate (21) 3322-3733, Diesel (11) 3082-4214, Forum (11) 3815-2878, Isabella Capeto (11) 3898-1878, Marta Leitão (11) 3086-464

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