Chocolate anticolesterol, água que bronzeia. Descubra se o alimento funcional cabe na sua cesta básica
por Celso Masson
Em 2057, milhões de brasileiros irão almoçar um prato de arroz, feijão, bife e salada. Eles terão canja de galinha no jantar e queijo com goiabada de sobremesa. Parece decepcionante, mas as refeições do futuro não serão feitas à base de pílulas. Quem afirma é o francês Hervé This, um dos criadores da chamada “gastronomia molecular”. Ele e o físico Nicholas Kurti (1908-1998), então professor em Oxford, usaram a expressão pela primeira vez em 1988. A gastronomia molecular definiu uma área da ciência dos alimentos que tenta responder àquelas perguntas difíceis ligadas à comida. Trabalhando no Inra, o Instituto Nacional de Pesquisas Alimentares da França, Hervé This investiga desde o motivo que leva o nhoque a boiar na água quando está cozido até como fazer merengue a vácuo. Para o pesquisador, a evolução biológica produziu lentamente na humanidade um paladar, que funciona a partir do estímulo a diversos sensores. E as pílulas não produzem o mesmo estímulo que um bom prato de comida. Mas isso não significa que estejamos condenados ao mesmo cardápio até o fim dos tempos. Mudanças vêm ocorrendo com rapidez na alimentação humana e tudo indica que a velocidade das inovações será maior a cada dia.
Bem passado
Vinte anos atrás, refrigerantes eram banidos das dietas de redução de peso, já que cada garrafinha trazia uma colher de sopa de açúcar, sem nenhum valor nutricional extra. Adoçado com aspartame, o refrigerante perdeu todas as calorias. Nas versões light e diet, pode ser bebido por diabéticos. E agora, em vez de engordar, a bebida emagrece. Coca-Cola e Nestlé desenvolveram o enviga, refrigerante capaz de acelerar o metabolismo e queimar calorias. A fórmula contém uma boa dose de cafeína e um princípio ativo encontrado nos chás verde e preto, a epigalocatequina galato (EGCG). O gosto é amargo, mas o que conta é o resultado: três latas diárias consomem 100 calorias, algo como 10 minutos de corrida moderada. O refrigerante emagrecedor é uma bebida emblemática. Ele combina fatores capazes de prenunciar em parte como será nossa alimentação no futuro. Um aspecto é a sinergia industrial: Coca-Cola e Nestlé juntas, na mesma latinha. Outro é introduzir o conceito de “alimento funcional” no refrigerante. Um terceiro ponto é o papel do marketing, que dá ao produto a aura de solução mágica. Por último, entra o aspecto jurídico. Uma associação de consumidores de Nova Jersey entrou com um pedido na Justiça americana para que os fabricantes retirem da embalagem do enviga a frase “the calorie burner”, que pode ser um estímulo a ingestões exageradas do produto. Nestlé e Coca-Cola dizem que vão batalhar nos tribunais até a última instância para manter o slogan no rótulo. No futuro, parte de nosso menu irá passar pelas bancas de advocacia, que decidirão o que vamos comer e beber sem que o fabricante corra o risco de ser processado. Mais do que hoje, a comida do futuro será um retrato bem-acabado de como a sociedade evolui em todos os aspectos. Até em relação ao aquecimento global. Enquanto países desenvolvidos tendem a reduzir o consumo de carne vermelha em nome da saúde e da consciência ambiental, na África ocorrerá o oposto, o que é uma ótima notícia: significa que lá a população irá se alimentar de forma mais saudável e variada do que hoje. A conclusão está no painel “Visão 2020 para a Alimentação, a Agricultura e o Meio Ambiente”, uma projeção do International Food Policy Research Institute (IFPRI). “Até o ano 2020, os países em vias de desenvolvimento produzirão 60% da carne mundial e 52% do leite mundial”, afirma o estudo. “A China encabeçará a produção de carne e a Índia a produção de leite.” Mais vacas e bois pastando significa aumento do efeito estufa. A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) está avaliando o papel do rebanho bovino brasileiro, o maior do mundo, no aquecimento global. A digestão dos animais produz metano (CH4), o segundo gás na lista dos causadores do efeito estufa, atrás apenas do dióxido de carbono (CO2) – Trip alarmou sobre esse fenômeno na edição temática de Biosfera, em fevereiro do ano passado. Segundo a Organização da ONU para Alimentação e Agricultura (FAO, ou Food and Agriculture Organization), a pecuária contribui com 18% do efeito estufa. Isso é mais do que sai do escapamento de todos os carros somados. Se hoje estamos sendo cozidos lentamente, em 20 anos estaremos em fogo alto. Mas os africanos terão bife no prato.
Tomate cru
Alimentos funcionais, probióticos e “beauty foods” como a Sun Water, que bronzeia mesmo sem sol, são algumas das apostas da indústria para o futuro. Mas nem todo mundo quer olhar para a comida e ver ali um frasco de laxante ou um creme para rugas. Cada vez mais, as pessoas gostam de preparar refeições em casa, usando ingredientes da melhor qualidade possível. O interesse por orgânicos é um bom exemplo disso. Para as grandes corporações, porém, só é bom que você queira comer em casa se não quiser ter trabalho algum – por isso elas vendem tudo pronto. Chefs famosos assinando pratos congelados não é novidade. O que agora começa a surgir são os “segredinhos” dos chefs: ingredientes finos, para gourmets, com cara de produto artesanal, só que manufaturados por gigantes da indústria alimentícia. O aspecto é de um item exclusivo, com a vantagem de ser garantido por uma marca mundial. Mas nos laboratórios desses conglomerados o alimento passa por técnicas que estão longe daquilo que poderíamos chamar de “caseiras”. A agência que regula alimentos e remédios nos Estados Unidos (FDA, ou Food and Drugs Administration aprovou o uso de radiação na carne para destruir bactérias e garantir que o alimento não estrague tão rápido. Em nome da segurança alimentar, a carne agora é radioativa. Imagine no futuro.