Futebol pé no chão

por Felipe Maia

Há dez anos Caio Vilela registra cenas do futebol amador pelo mundo

A viagem fotográfica de Caio Vilela pelo futebol começou bem longe do Brasil. “Tirei uma foto de uma molecada jogando numa fachada islâmica na cidade de Yazd, no Irã”, diz. A imagem, capturada em 2004, indicava a temática do seu trabalho a partir de então: retratar o futebol que acontece em campinhos de areia, asfalto, lama ou até leito de rios.

“Minha paixão é o futebol fora dos estádios”, diz ele. Embora já tenha ido a campos oficiais em mais de trinta países —  “vou para tomar sorvete e comer amendoim!” — , Vilela sempre mantem as lentes apontadas para a boleiragem espontânea de vários lugares do mundo. O esporte em sua forma mais simples já foi capturado por ele em mais de 60 países, estima. Vilela pretende chegar a uma centena de países com o tema. Entre todos, o foco é o Brasil.

“Os lugares que dão as histórias mais legais estão no norte e no nordeste”, diz. Nessas regiões ele presenciou o futlama, partidas que acontecem na baixa da maré do rio Amapá, e o futebol de meninas na caatinga paraibana. “Era um exército de Maria Bonita”, lembra ele. Parte dessas fotos estão na galeria abaixo. A série faz parte do livro “Futebol Arte do Oiapoque ao Chuí”, lançado em 2013.

Mais fotos estão no livro “Futebol Sem Fronteiras”, de 2009, e nas exposições protagonizadas por Vilela ao redor do mundo. A próxima será em Doha, no Qatar, onde o fotógrafo deve fazer mais imagens. Sri Lanka, Japão e China também estão no destino.

Trip: Como começou essa história de fotografar futebol? Caio Vilela: Comecei a fotografar futebol em 2004 durante uma viagem ao Irã. Tirei uma foto de uma molecada jogando na fachada islâmica Yazd e resolvi ficar de antena ligada. Pensei: toda vez que eu vir uma molecada jogando bola eu vou clicar.

E desde então você desenvolve esse trabalho. Sempre que ia fazer uma matéria de turismo ou alguma viagem eu parava pra clicar. Fazia isso sem compromisso até 2009, quando saiu meu primeiro livro e fiz uma exposição no Museu do Futebol. Aí o negócio ficou sério. Fiz exposição em outros países e cidades. Apareceram viagens comissionadas pra fotografar futebol, como com o comitê organizado para sediar a Copa no Qatar. Essa foi uma das maiores exposições para futebol que já fiz.

Mas qual era sua relação com o esporte até então? Minha relação com futebol é a seguinte: nunca gostei de jogar e nem sei o goleiro do meu time. Amo ir no estádio pra tomar sorvete e comer amendoim. Ja fui em estádio em mais de trinta países. Os mais bizarros: Etiópia, Iemen, Irã, Burkina Faso, etc. Não sou um cara fanático por futebol. Brinco de futebol com meus filhos, mas sem aquele afinco. A família da parte do meu pai sempre foi muito mais das artes que dos esportes.

E como você faz essas fotos? É um faro da intuição de qualquer jornalista. As melhores fontes de informação são os taxistas. Eu boto os caras para confabular entre si e descubro algum lugar. Quanto menor e mais pobre a cidade, mais fácil encontrar futebol. Aí pego um taxista para rodar comigo, principalmente em bairros pobres. O grande lance é encontrar um lugar cênico. Eu piro quando encontro os caras jogando numa periferia em Cuiabá ou na praia do Botafogo em frente ao Pão de Açúcar. Vou pros dois tipos de lugar.

Quais os momentos mais interessantes que você já registrou? Os lugares que dão as histórias mais legais estão no norte e no nordeste. É o caso dos caras jogando o futilama na maré baixa da orla do rio Macapá. Quando a maré desce, acontece um mega campeonato de futilama. Em Manaus tem o Peladão. É o maior campeonato de futebol amador do mundo. Uma história curiosa aconteceu em Cabaceiras na caatinga paraibana. Queria um futebol acontecesse na caatingas. Achei um campinho com uma luz dourada e de repente apareceu um exército de Maria Bonita. Só menina, cada uma com uma roupa mais colorida que a outra. Elas começaram a jogar um futebol endiabrado e eu fotografei a vontade.

E você pede autorização? Entra em campo? Tenho autorização verbal de todo o mundo que fotografei. E eu fico muito esperto pra não arrebentar óculos, câmera. Quando é um monte de marmanjo jogando pra valer eu respeito as linhas do campo.

Qual diferença que você vê entre a fotografia de futebol profissional e o seu trabalho? Eu posso fotografar cara a cara com meus craques. Vou onde eu quiser, como na marca do penalti. Com a molecada eu uso a lente que eu quiser. Não preciso ficar distante. Às vezes eu pego uma teleobjetiva e tiro uma foto do craque da vez, o cara que está brilhando. Aí que mora a poesia: quanto mais misturado estiver, melhor. A menina, o moleque com tênis, o moleque descalço. Esse é o futebol que me encanta.

E quais seus planos para esse ano? Voltei há pouco de João Pessoa onde está rolando uma exposição até a Copa com quinze fotos do livro na galeria Adellas. Dia 14/2 vou para Doha onde acontece uma exposição dia 15 com impressões de vinte imagens minhas. Fora do Brasil também tem exposições marcadas em Quito, Roma e Pequim. Cada uma delas tem um recorte: uma é mais futebol na Amazônia, outro futebol feminino, etc. Tem outra exposição confirmada pra acontecer no SESC Belenzinho chamada FutGrafias. No SESC Santos também haverá exposições e estou em contato com outras unidades do SESC também.

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