Outro dia o amigo Silvio comentava que a insegurança e o medo vem sendo instalado dentro de nós desde que éramos bebês. E, dentro dos exemplos que dava, estava uma canção de ninar que é mesmo assustadora: "Nana nenê, que a Cuca vai pegar..." Caramba (o nenê deve pensar) que diabo é essa Cuca que vai me pegar? E eu indefeso aqui, sem poder fazer nada... Depois vem a continuação: "...papai esta na roça, mamãe no cafezal..." O nenê pensa: "Quer dizer que estou aqui sozinho, abandonado, e a Cuca vai me pegar, socorro!!!" Depois nos implantam outros medos: "Não sai na rua que o 'homem do saco' te pega!" E vai por ai afora.
Aos 38 anos de idade, depois haver dado a maior cabeçada de minha vida, pensei até em me matar. Acabara com minha vida, destruíra um sonho imenso. Estava perdido, nunca mais sairia da prisão. A depressão foi de pregar no chão e não querer levantar mais. Mas sabe como é; a força da vida é mais poderosa que nossas vicissitudes. Fiz mais uma tentativa. Como havia sido noivo de uma psicóloga, li tudo que pude a respeito para fazer face ao conhecimento dela. Partindo de tais entendimentos, decidi me "psicologizar".
Comecei buscando minha história desde o nascimento. Minha mãe vinha me visitar, então eu elaborava um questionário para ela e aos poucos fiquei sabendo a parte de minha primeira infância não lembrada e colocando em ordem cronológica. Passada esta parte, o resto eu lembrava e fui descrevendo, com o máximo de sinceridade que era capaz. Afinal, não havia intenção de mostrar para ninguém. Ao cabo de 4 meses cheguei ao tempo presente. Então fui ler com o objetivo de me auto-conhecer. Claro, ali estava minha história, mas e dai? Não resolvia nada.
Mas lendo, comecei a perceber que eu escapara dezenas de vezes da morte (fui baleado e passei por vários tipos de tortura física e mental). Observei que nunca estive só. Minha mãe sempre esteve presente e tive várias namoradas que apareceram como que do nada e trouxeram satisfação à minha existência. Surgiram amigos dentro e fora do presídio que me ajudaram a sobreviver. Nunca estive abandonado, mesmo que preso quase a vida toda. Nas piores situações e nos piores momentos, algo acontecia e eu sempre era salvo e passava para o próximo momento, como fosse para um próximo capítulo.
Foi nessa retrospectiva, que depois se transformou no livro "Memórias de um Sobrevivente", que descobri que algo me protegia. Alguma coisa me colocava sempre para a frente, mesmo que eu mesmo me colocasse para trás. Foram tantas, inúmeras vezes e não se podia creditar ao acaso. Havia algo. Podia-se dizer que era Deus, Forças Espirituais, a própria Vida; na época eu não sabia aquilatar. Mas cresceu em mim a idéia de que havia um amparo, um cuidado comigo. E foi isso que acabou com meus medos, minha solidão e, principalmente, com minha insegurança.
Hoje, 04 de maio, ao completar 63 anos de idade essa certeza de proteção é mais que real. E torna-se cada dia mais determinante na medida que descubro que isso não se dá apenas comigo e sim com todos os seres desse mundo. E ai reside minha fé; na minha própria vida e na vida das pessoas que conheço.
**
Luiz Mendes
04/05/2015