por Redação

Relata um tórrido episódio sobre uma cama de concreto na prisão

Eles estavam sob cobertores, em uma cama de concreto, na prisão. Engoliam gritos no coração. Uma tepidez gostosa subia do calorzinho que geravam. No xadrez, adjacências e cercanias um vento frio dissolvia disposições. Inverno cinzento desabrigava tudo. Eles se acarinhavam docemente. Uma ternura branda, quase um choro silencioso, os envolvia. Tudo era paz e, de olhos fechados, escondidos do mundo, deliciavam-se na plenitude da pessoa amada. Havia totalidade em seus gestos lassos e preguiçosos. Flutuavam na intimidade, essa peça da verdade mais profunda.

O amor era energia e os abrangia. Encerrava-os em auréola e os santificava. Estavam vivos de todas as mortes, em sublime instante existencial. Haviam acabado de se darem e tomarem um ao outro. Uma lua cheia, de olhos escuros, os protegia. Fora um amor torrencial, ao mesmo tempo em que paciente, como somente os anos de vida e a maturidade podem dar. O prazer fora imenso, caudaloso, de longos gritos roucos e arfares sôfregos. A vida lhes parecera breve, na vastidão da alma em que se perdiam.

Cada um deles se preocupando em dar o máximo possível ao parceiro. Tudo era amplidão, doação e entrega absoluta. Sentiam-se repletos, vastos como o mar a quebrar-se em ondinhas borbulhantes na areia da praia...

O pensamento recuava. Tudo era prazer que se alongava na largueza da cumplicidade. As pernas se perdiam, enroscadas na imobilidade dos gestos mudos. Languidamente, esfregavam-se, buscando no atrito a eternidade do momento. As mãos desenhavam círculos contrapelos, o afago era apenas semiconsciente. Carícias instintivas abriam brechas profundas no vão dos cobertores.

Então ele ouviu um som que articulava uma espécie longínqua de gemido, quase uma prece:

"Ai, ai, ai..."

"O que foi, meu bem? Perguntou achando estranho."

"Nada, amor. Apenas acompanho o som de teus gemidos; é gostoso."

Só então ele foi entender que estivera gemendo de prazer, de puro êxtase, mas que não havia percebido.

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