Rita Lee tem razão: que tal um Big Brother no Planalto?
Cara Rita Lee,
Um amigo meu viu você outro dia no programa do Amauri Júnior. Pode ser? Disse que você falou uma coisa engraçada. Que o Brasil deveria escolher o presidente da República num programa tipo Big Brother. É isso mesmo? Você trancaria os candidatos numa casa televigiada? E, a cada semana, o público, quer dizer, o povo, eliminaria um deles? E aquele que sobrasse viraria o Big Brother do Planalto?
Meu amigo disse que você falou isso brincando. Mas eu levei a sério. Tua idéia tem uma luz brilhante. Para rir ou refletir. Em mim, depois das gargalhadas, ela lembrou que o chamado Mundo Democrático, tão orgulhoso de suas instituições, tem que dar um passo além do conceito de eleição direta.
Pode soar como heresia isso que eu estou dizendo. Ou maluquice. Pode, mas será que maluquice mesmo não é crer na ilusão primária de que, quando a gente vota, sabe em quem está votando? Maluquice não é acreditar ingenuamente que é possível conhecer alguém através dos canais onipresentes, excessivos, mas estreitos, da comunicação eletrônica?
Você, uma estrela, sabe do que eu estou falando. Quantas vezes não foi tratada como íntima de estranhos? Quantas vezes não foi alvo de projeções mal resolvidas ou de julgamentos caluniosos? É assim, né? Faz parte do jogo da celebridade eletrônica.
O problema é que essa mesma dinâmica iludida do fã/ídolo está definindo não só a escolha democrática dos líderes políticos, mas toda a relação entre poder e população. Nela, no lugar das ponderações, prevalecem as identificações e repulsas mais básicas. Definidas pelas emoções mais rasas. Do voto à pesquisa de opinião. Do discurso à notícia.
Democracia emocional
Nessa idéia de democracia emocional, estruturada sobre a rede dos meios de entretenimento de massas, o conceito de "representação" popular tem se aproximado demais do sentido teatral da palavra. A maioria dos políticos me dá a impressão de que não é o eleitor que está sendo representado, mas sim um papel qualquer. Dentro de uma grande peça de entretenimento barato.
O Lula, por exemplo, que eu eletronicamente ainda admiro, parece às vezes não estar administrando um país e sim apresentando um programa de auditório ininterrupto. O Programa do Boné. O Espetáculo do Crescimento. Sei lá. E o que é o Bush senão produtor e host do The War on Terror, o reality show medonho apresentado e reapresentado diariamente em todas as TVs de todos os países do planeta?
Agora, Rita, como você não me conhece, quero deixar claro que eu tô bem fora daquela parcela assustadoramente grande da população brasileira que não acredita na democracia. Pelo contrário. Se é para ir no popular, prefiro crer naquele ditado que diz que democracia é a pior forma de governo, fora todas as outras. Então ela precisa ser aperfeiçoada. Foi nesse sentido que eu gostei da tua idéia maluca.
Ela me caiu como um mantra experimental, que fez baixar na minha cabeça algum espírito enviesado de Mangabeira Unger. E o espírito vê dois caminhos utópicos. Um é o de ir radicalmente contra a corrente. Criar algum poder paralelo, onde os eleitos teriam que conhecer seus eleitores pessoalmente. Algo bem local, externo à malha virtual em que a sociedade hoje se estrutura.
Talvez seja o caminho mais saudável. Mas só vai ser possível quando o mundo estiver mais parecido com a Finlândia e a Suíça do que com os EUA e o Iraque. Assim, outro caminho é o que você propõe. Ir fundo na própria corrente. Acreditar que a estrada do excesso midiático pode levar a algum palácio do planalto da sabedoria. Aceitar a realidade político-social redefinida pelos meios de comunicação e saber tirar proveito de suas expressões mais bizarras.
Então vamos trancar os candidatos num palácio virtual. Vigiá-los 24 horas, por alguns meses. Observar sua capacidade de convivência com os opostos. Avaliar sua inteligência emocional. Submetê-los a simulações políticas. Examinar suas imagens e sons, sem maquiagem, sem máscara, editadas por alguma autoridade eleitoral. E também - por que não? - divertir-nos com a situação. Já que o estupro eletrônico é inevitável, o negócio é relaxar e gozar.