Quem é o estranho? Porque ele é estranho? Nada nos causa mais medo do que nos é estranho. Precisamos saber, classificar e escapar de tudo que nos seja não sabido. Demora para o desconhecido se metamorfosear em conhecido. Somente no campo da intimidade nos sentimos seguros.
O estranho é o outro; aquela pessoa com os mesmos problemas da condição humana que todos nós temos. Que chora, que ri, que entristece e que pode ser feliz como qualquer um de nós. Na verdade ninguém nos é estranho. É estranho apenas porque não conhecemos individualmente. O fato de não sabemos como ele lida com os fatos da vida suscita preconceitos, prevenções que nos separam. Porque sabemos de nossas mesquinharias, fraquezas e a dificuldade com que lidamos com a vida, tememos o que ele possa ser como somos. Conhecemos a seda do fio que nos prende à lucidez: o estranho é sempre um eu quebrado. Como seres que temem, preferimos preconceituar e bloquear o risco. Acabaram-se as certezas e as seguranças e achamos que nos apartando do estranho estamos nos assegurando. E assim vão morrendo os ideais de amor, cuidado e a idéia de uma humanidade solidária.
Nós vemos o estranho e o reconhecemos como um igual nas atividades políticas. Nos unimos contra o intolerável. Na multidão anulamos o que individualmente consideramos estranho. O medo se afasta quando o espaço inter-indivíduos é preenchido por alguma concordância. Nos fundimos e nos misturamos, esquecidos de nossos preconceitos. Mas nos separamos quando é para construir porque nossas idéias podem ser diferentes das deles. Não conseguimos estabelecer uma ponte. Perdem-se as metas, as visões de futuro e a direção do desenvolvimento.
Na verdade temos medo à solidão, mas até conseguimos conviver com ela. O que é realmente insuportável para nós e impossível de conviver é a indiferença do mundo e das pessoas para conosco. A indiferença nos torna estranhos aos outros. É o sinal evidente que o mundinho mesquinho em que nos enclausuramos fracassou. Então o nosso senso de insignificância nos faz correr atrás do reconhecimento e da atenção que achamos nos é devida. Buscamos superar o doloroso silêncio de nossas relações. Queremos um espaço que nos projete da não existência e da não presença no mundo. Mas ainda não somos capazes de reconhecer o estranho como um de nós. A obsessão por segurança é produtor de mais insegurança. Fechar portas ou fronteiras apenas produz mais estranhamento e distância entre as pessoas. É o estranhamento que produz o individualismo, o pânico e a hostilidade.
Não consigo enxergar pessoas, não vejo humanidade nelas. Principalmente quando as vejo passando entre crianças dormindo nas calçadas e outras se alimentando do lixo sem sentir nada, nem um arrepio. Fingem que não vêm e meio que se escondem dentro de si ainda com medo. Que mal podem lhes fazer seres tão frágeis e indefesos? Serão eles os estranhos? Continuo a perguntar; porque não os conhecemos? Até que ponto é preciso conhecer para saber que eles sofrem como qualquer um de nós e que necessitam de nós? E as conquistas sociais tão dolorosamente conquistadas no passado? Talvez por isso Alberto Einstein afirmava que "é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito."
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Luiz Mendes
20/01/2015.