Esquadrilha da fumaça

por J.R.Duran
Trip #167

São Paulo quer inspecionar 350 mil veículos movidos a diesel - o que é justo. Mas por que não fazem o mesmo com as oito empresas responsáveis por 48% da região metropolitana?

POR J.R. DURAN*

Os carros que são movidos por motor a diesel devem passar, desde o mês passado, na cidade de São Paulo, por uma inspeção veicular para que a prefeitura tenha a certeza de que os motores estão bem regulados. Assim se espera que o ar que os paulistanos são obrigados a respirar fique menos poluído e, conseqüentemente, mais limpo. Como vocês sabem, um carro pode ter um motor movido a gasolina, a álcool ou a diesel. O potencial poluidor de um motor desregulado é alto. O de um motor a diesel desregulado é muuuuuuuuuuito alto. Não tenho certeza absoluta de quanto, mas é só fazer o teste do senso comum no plano olfativo: encoste o nariz em um cano de escapamento de diferentes automóveis ligados, com motores a gasolina, a álcool e a diesel, e posso garantir que a tosse mais forte imediatamente é garantida com o motor a diesel. Em muitas cidades do mundo a inspeção veicular já vem sendo feita faz tempo. Em São Paulo começou agora. Você marca a hora e o dia pela internet, vai lá e pronto. Se tudo der certo, o carro vai poder ser licenciado no ano seguinte sem multa. Se for reprovado, vai ser um perrengue com certeza, mas talvez essa perspectiva faça com que os proprietários dos veículos tenham mais cuidado e regulem melhor seus motores.
Algumas coisas me chamaram a atenção. Uma: são apenas os carros com placa de São Paulo que podem ser inspecionados; os que circulam pela cidade emplacados em outro lugar podem ter o motor desregulado e envenenar os moradores da paulicéia intoxicada como forma de lembrança da sua passagem por São Paulo.
Outra coisa. No começo a inspeção poderá ser feita em apenas um endereço; até o fim do ano em mais três ou quatro. Considerando que há 350 mil carros movidos a diesel e que cada um deve demorar meia hora para passar pelo exame, me parece que o pessoal vai ter de fazer hora extra para que as filas não dêem volta no quarteirão. Não quero ser pessimista (sem querer querendo, como diria o Chaves, e não me refiro ao megalomaníaco, mas ao outro, o do Chapolin Colorado). Mas, se multiplicarmos o número de dias úteis do ano (20 dias vezes 12 meses, sem incluir feriados, Carnaval e padroeiras) por cinco (o número de estabelecimentos) e o resultado por dezesseis (o número de meias horas em oito horas de um dia de trabalho), chegaremos à conclusão de que cada estabelecimento vai ter de atender no mínimo 18 carros por dia. Sem contar os que têm de retornar por ter sido reprovados na primeira visita. Para mim as contas não fecham. Boa sorte a todos os candidatos à inspeção.
Mas, considerando o ditado popular de que quando o mar bate na rocha quem se fode é o marisco, pode-se deduzir que os mariscos que dirigem os carros a diesel em São Paulo (sou um deles) têm de ter seu pequeno calvário para o bem de todos.
Só não me conformo com uma coisa. Li outro dia, e cito os números de cor, que oito empresas da Grande São Paulo são responsáveis por 48% do total da poluição da cidade. Opa, oito, você se perguntará. Sim, oito. Eu, que não sou economista, que não sou político, que não sei planejar, mas que infelizmente sei somar dois e dois, me pergunto: não seria uma boa idéia apertar também o saco de quem tanto polui? São apenas oito visitas, oito autos de infração ou seja lá o que for, e quase a metade de nossos problemas poluídos poderiam desaparecer.
Entendo que na vida as coisas não são fáceis para todos e que sempre alguém tem de se ferrar (normalmente o mais fraco), mas os índices de poluição da cidade de São Paulo seriam reduzidos drasticamente com menos de uma dezena de atitudes drásticas. E, assim, pelo menos os motoristas de carros movidos a diesel com motores bem regulados poderiam respirar um pouco mais tranqüilos enquanto estivéssemos esquentando nossas bundas na fila da inspeção veicular.

*J. R. Duran, 43, fotógrafo e escritor, cumpre a lei, mesmo desconfiado. Seu e-mail é studio@jrduran.com.br

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