Ecocatastrofismo
Quantos Kilimanjaros sem neve, quantos amigos no psiquiatra, quantas amigas no endócrino, quantas Angelas Bismarchis serão necessárias para nos mostrar que alguma coisa não está legal na saúde do planeta?
Por Redação
em 21 de setembro de 2005
Por Carlos Nader* Ilustração Abiuro
É coisa de gente chata este negócio de dizer que um dia o mundo vai acabar, destruído pelo próprio homem. É coisa de gente dodói. E foi para se defender desse catastrofismo doentio que os saudáveis, os bacanas, criaram uma subcategoria da chatice genérica que quer diagnosticar os portadores desta síndrome laica que vê apocalipse em cada canto do planeta. A ecochatice.
Eu também sou daqueles que não acreditam que o mundo vá acabar tão cedo. A Terra é ainda maior que a inconseqüência humana. Ela sobreviverá. Pena que essa sobrevivência deva se dar na forma de um petit-gateau planetário, cujo recheio de magma estará coberto por uma camada de gelo eterno, talvez polvilhado de algumas formas mutantes de baratas. Eu acredito que o catastrofismo seja hoje a forma mais saudável de se olhar para o mundo. Se há uma coisa que define a nossa época em relação a todas as outras, é a capacidade do homem de tocar os outros, todos os outros. Inclusive para destruí-los. Não é porque a Terra foi transformada numa teia de vasos comunicantes que se deva agora subestimar as leis da entropia.
Estas são as bases, amigos da Rede Globo, do catastrofismo esclarecido que proponho. Falo é claro de um catastrofismo cerebral, calculado. De um catastrofismo alegre, sem medo, inclusive o de ser feliz. Pode perguntar para qualquer monge budista lá da esquina: não há maneira de ser feliz na vida sem antes encarar a morte de frente. Então vamos todos, de mãos dadas, encarar a morte iminente do planeta? Vamos todos admitir, com um sorriso singelo e uma peque-nina lágrima no canto do olho, que o caminho da felicidade passa por uma limpeza radical na morada que Deus nos deu?
Limpeza radical? Detesto soar como um táxi driver, como um reacionário de filme americano. Deixa então eu encarnar um Bob Dylan rápido e perguntar aos universitários: quantos Kilimanjaros sem neve, quantas rinites alérgicas, quantos amigos no psiquiatra, quantas amigas no endócrino, enfim, quantas Angelas Bismarchis serão necessárias para nos mostrar que alguma coisa não está legal na saúde do planeta?
Quem acompanha esta coluna dedicada à reflexão sobre a mídia há alguns anos sabe que a persona que a escreve é também uma chata. Ecochata, por que não? Midiologia é ecologia. Mídia é meio, meio ambiente. Um ambiente em que passamos enorme parte do nosso tempo. Um ambiente que se (con)funde no ambiente. A comunicação anestesiada e anestesiante que tece a esfera eletrônica também é, com várias exceções, uma forma de poluição. No ar. O ar feito de moléculas químicas ou de bits eletrônicos.
A minha cidade está parecendo uma web 3D. E a TV está mais poluída que uma tarde de inversão térmica no Tatuapé. Quem acompanha esta coluna sabe que ela está vivendo uma deriva ecológica. A própria persona que a escreve vê essa mudança com alguma surpresa. Alguma, mas não muita. Afinal ela sempre acreditou que ecologia não é um chororô cafona, como a ideologia autodestrutiva ainda dominante quer nos fazer crer. O gradual suicídio ambiental é simplesmente a questão mais séria que vivemos. Não há camada de Sundow 50 que nos proteja desta realidade.
*Carlos Nader, 40, videoartista, acredita que o catastrofismo ainda vá salvar o planeta. Seu e-mail é: carlos_nader@hotmail.com
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