Motoboys de São Paulo alimentam desde 2007 um projeto que publica na internet em tempo real
Em 2004, o artista plástico espanhol Antoni Abad comentou com Dona Regina Silveira que gostaria de fazer um trabalho com os motoboys de São Paulo, e que tinha 12 celulares para distribuir entre os motoqueiros. “No começo eu fiquei desconfiado, mas a Dona Regina, minha chefe, é uma pessoa séria, então eu saí avisando todos meus amigos que tinha um gringo que ia distribuir celulares com câmera pra gente registrar a cidade”, explica Ronaldo Simão da Costa (foto), o personagem principal e elo de ligação necessário para que o Canal Motoboy viesse à tona. Desde 2007, não são só os documentos que chegam rapidamente a seus destinos. Vídeos e fotos do caos que compõe a São Paulo diária vão a conhecimento instantâneo para quem estiver conectado.
Hoje com 35 anos, Ronaldo vive sobre duas rodas desde os 17, contrariando a estatística da CET de que dois motoboys morrem por dia em São Paulo. “Os que mais morrem hoje tem entre 18 e 23 anos, acham que são melhores que todo mundo. Eu já passei por isso, já caí, já aprontei e já passei dessa fase. Você vai ficando velho, tem filho, família, e fica mais responsável”, diz ele, que garante que não larga o guidom por nada. “Já me ofereceram trabalho para ser supervisor, com sala, ar-condicionado e tudo, mas eu gosto mesmo é da rua.” E foi a união do conhecimento das ruas de São Paulo com um celular com câmera e GPS que revolucionou a vida do motoboy e seus companheiros.
“Nossa profissão é indispensável, mas o pessoal ainda tem aquela visão negativa do motoqueiro”, afirma Ronaldo, que garante que o projeto está ajudando a mudar essa visão. “Antes a gente não tinha voz alguma na sociedade. Agora, quando eu vou numa emissora de TV ou jornal, as pessoas perguntam se eu vou fazer alguma entrega, e eu respondo que estou indo dar entrevista”. Mas quem vê o projeto dar certo, não imagina a dificuldade e o preconceito constante que a classe enfrenta. Ele explica que o projeto foi idealizado em 2004, mas só foi colocado em prática em 2007: “Toda vez que o Antoni falava que ia fazer um trabalho com motoboys, as empresas saiam fora, não queriam vincular a marca com a gente. Eles não entendem que com esse projeto, estamos prestando um serviço importante pra sociedade”.
A intimidade com softwares, imagens tageadas, tags e outros termos tecnológicos, por incrível que pareça, não vem do contato constante com computadores. Ronaldo teve que aprender na marra para levar o projeto em frente. “Teve gente que não entendeu muito bem o projeto, mas olha essa cidade de São Paulo. Aqui é muito louco, a cidade é incrível, tem muita coisa acontecendo, muita coisa para ser registrada”, diz o engajado motoqueiro que já coleciona mais de 2 mil fotos no site Zexe.net, onde todas as fotos do projeto Canal Motoboy estão armazenadas.
E no meio dessas milhares de fotos, qual a sua foto preferida? “Ah, da minha filha Fernanda, minha jóia de três aninhos. Entra lá no site e procura pela tag Minha Vida. Tem um monte de foto dela”, diz orgulhoso.