por J.R.Duran

De volta à TRIP, nosso fotógrafo-colunista visita uma misteriosa cobertura em Nova York

O prédio ficava na rua 18 ou 19, não lembro, perto da 5a Avenida, Nova York. Sem porteiro, tinha um elevador antigo e descascado, daqueles com marcador tipo relógio para indicar os andares. O endereço, escrito num papel, dizia para ir até a penthouse.

Quando o elevador abriu no 20o andar, encontrei um corredor forrado com veludo azul e pouquíssima iluminação. No fundo do corredor, atrás de uma mesa com tampo de mármore, uma garota nos contemplava sem expressão nenhuma.

Os peitos dela eram grandes e apertados por um corselete de couro. Os cabelos ondulados eram iluminados pela luz que entrava de uma janela redonda bem nas suas costas, formando uma auréola sobre sua cabeça, efeito que deve ter sido bem estudado. A garota nos esperava como combinado.

Oito horas em um clube sadomasoquista tinha nos parecido genial para servir a série de fotos que faríamos em Nova York. A recepcionista, a princípio, não foi muito simpática. O clube estaria fechado à nossa disposição até uma determinada hora. Depois disso, teríamos de sair para não incomodar os clientes.

A recepcionista foi nossa guia e fez um tour pelas várias salas. A da masmorra tinha paredes de papelão que imitavam pedras, como se fosse uma masmorra mesmo. Os aparelhos eram bem estranhos: tinha uma roda para amarrar os clientes, uma jaula e uma cadeira com um buraco no centro e uma tábua de madeira no chão para alguém deitar embaixo, de forma que a cara do cara deitado ficasse bem embaixo da bunda de quem estivesse sentado.

A sala da professora tinha as paredes pintadas de verde com lousa, carteiras, armário e um cavalinho branco daqueles de carrossel. A sala Luís XV tinha cortinas vermelhas de veludo e paredes creme, como se fosse o Castelo de Versailles.

Tinha também argolas presas na parede, um móvel com gavetas cheias de aparelhos para enfiar em qualquer parte do corpo e luvas cirúrgicas. A última sala me deixou arrepiado. Era a do médico, com paredes de azulejos e espelhos que multiplicavam a mesa de operações no meio da sala. A tal mesa vinha com aquele aparelho de obstetra que levanta as pernas de quem deita.

Tom Zé flagelado

A mulher da recepção nos deixou e foi sentar com outras duas garotas, loiras, fumando e falando ao celular. Dominatrix à espera de seus dominados, nos ignoravam ostensivamente.

Não ousei puxar papo até descobrir que a música que tocava nos alto-falantes era brasileira. Cheguei junto e perguntei se conheciam o Brasil. Não, ninguém tinha estado lá, mas acontece que algumas semanas antes tinham assistido a um concerto do Tom Zé no Central Park e adoraram a música dele.

Sobretudo quando o Tom fez de conta que se autoflagelava. Desde aquele dia, só tocava Tom Zé no clube. Falei que o conhecia. O grupo de dominatrix polonesas se fechou em torno de mim. Uma coisa puxa outra, e me perguntaram, já que eu era fotógrafo, se gostaria de dar uma olhada em seus books.

Cada uma tinha uma especialidade. A mais alta, por exemplo, era o máximo em mumificação. "O que é mumificação"?, perguntei. Simples: enrola o cara em papel de plástico, daquele para embrulhar a comida e pôr na geladeira, até o cara ficar como uma múmia, apenas com um buraquinho na boca para poder respirar. A garota parecia não ter mais de 20 anos, mas seus conhecimentos eram de veterana.

Os books estavam cheios de fotos bem-feitas ilustrando os melhores momentos de cada uma. Tinha caras com o saco beliscado com pinças, muita corda amarrada no corpo, caras de joelhos, roupa de couro e tudo o mais. A garota da recepção, a peituda que agora estava mais animada, contou que era ela quem tomava conta das brincadeiras na sala do médico.

O seu book comprovava tudo. Arrepiante. Me perguntou se eu não gostaria de voltar no sábado, quando haveria uma festa open-house em que eu poderia participar, free of charge, das brincadeiras. Fiquei de ligar confirmando a minha presença em tão ilustre evento. Até hoje não liguei de volta. Mas o número do telefone está aqui.

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